terça-feira, 6 de novembro de 2012

O construtor de pontes

O texto a seguir, extraído do Comentário Bíblico de Warren Wiersbe, é um excelente referencial para se trabalhar como introdução ao Evangelho de Mateus. Vale a pena lê-lo e arquivá-lo.


Boas Novas!

Cerca de vinte a trinta anos depois de Jesus ter voltado para o céu, um discípulo judeu chamado Mateus foi inspirado pelo Espírito Santo a escrever um livro. Disso resultou o que conhecemos hoje o “Evangelho segundo Mateus”.

Nenhum dos quatro evangelhos registra qualquer palavra proferida por Mateus. Ainda assim, em sue evangelho, ele nos apresenta as palavras e os atos de Jesus Cristo, o “filho de Davi, filho de Abraão” (Mt 1:1). Apesar de Mateus não ter escrito para falar de si mesmo, convém nos familiarizarmos com o apóstolo e com o livro que escreveu. Assim, poderemos descobrir tudo o que ele desejava que soubéssemos sobre Jesus Cristo.

O Espírito Santo usou Mateus para realizar três tarefas importantes ao escrever este Evangelho.

1. O Construtor de Pontes: apresentou um novo livro
Esse novo livro é o Novo Testamento. Se um leitor da Bíblia pulasse de Malaquias para Marcos, Atos ou Romanos, ficaria totalmente confuso. O Evangelho de Mateus é a ponte de transição entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento.

O tema do Antigo Testamento é apresentado em Gênesis 5:1: “Este é o livro da genealogia de Adão”. O Antigo Testamento mostra a história, extremamente triste, da família de Adão. Deus criou o homem à sua imagem, mas o homem pecou e, desse modo, distorceu sua imagem original. Depois disso, o homem gerou filhos “à sua semelhança, conforme à sua imagem” (Gn 5.3), e estes se mostraram tão pecadores quanto seus pais. Não importa como lemos o Antigo Testamento, sempre encontramos pecados e pecadores.

O Novo Testamento, porém, é o “Livro da genealogia de Jesus Cristo” (Mt 1:1). Jesus é o último Adão (1Co 15.45), e Ele veio ao mundo para salvar as “gerações de Adão” (da qual, a propósito, fazemos parte). Apesar de não ser uma escolha nossa, nascemos na geração de Adão, e isso nos torna pecadores. Mas, por uma escolha de fé, podemos nascer na geração de Jesus Cristo e nos tornar filhos de Deus!

Quando lemos a genealogia em Gênesis 5, a repetição da expressão “e ele morreu” soa como badalar fúnebre de um sino. O Antigo Testamento mostra que “o salário do pecado é a morte” (Rm 6.23). Mas quando passamos para o Novo Testamento, a sua primeira genealogia enfatiza o nascimento, não a morte! A mensagem do Novo Testamento diz que “o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 6.23).

O Antigo Testamento é um livro de promessas; o Novo Testamento, por sua vez, é um livro de cumprimento (por certo, há inúmeras promessas preciosas no Novo Testamento, mas me refiro, aqui, à ênfase principal de cada parte da Bíblia). Deus prometeu um Redentor em Gênesis 3:15, e Jesus Cristo cumpriu essa promessa. Cumprir é uma das palavras-chaves do Evangelho de Mateus, usada cerca de vinte vezes.

Um dos propósitos deste Evangelho é mostrar que Jesus Cristo cumpriu as promessas do Antigo Testamento a respeito do Messias. Seu nascimento em Belém cumpriu Isaías 7.14 (Mt 1:22,23). Foi levado ao Egito, onde ficaria mais seguro e, desse modo, cumpriu Oseias 11:1 (Mt 2:14,15). Quando José e sua família decidiram se estabelecer em Nazaré, cumpriram várias profecias do Antigo Testamento (Mt 2:22,23). Em seu Evangelho, Mateus apresenta pelo menos 129 citações ou alusões ao Antigo Testamento. Escreveu principalmente a leitores judeus para mostrar-lhes que Jesus Cristo era, de fato, o Messias prometido.

2. O Biógrafo: apresentou um novo Rei
A julgar pela definição moderna, nenhum dos quatro Evangelhos pode ser considerado uma biografia. Aliás, o apóstolo João duvidou que fosse possível escrever uma biografia completa de Jesus (Jo 21:25). Os Evangelhos deixam de foram uma série de detalhes sobre a vida de Jesus aqui na terra.

Cada um dos quatro Evangelhos tem uma ênfase particular. O Evangelho de Mateus é chamado “o Evangelho do Rei” e foi escrito principalmente para os leitores judeus. O Livro de Marcos, “o Evangelho do Servo”, foi escrito para instruir os leitores romanos. Lucas escreveu principalmente para os gregos e apresentou Cristo como o “perfeito Filho do homem”. João é de interesse universal, e sua mensagem é “Este é o Filho de Deus”. Nenhum dos Evangelhos é suficiente para contar toda a história da forma que Deus quer que a vejamos. Porém, quando juntamos os quatro relatos, vemos uma imagem mais complexa da Pessoa e obra de nosso Senhor.

Uma vez que estava acostumado a manter registros sistemáticos, Mateus apresenta um relato extremamente organizado da vida e ministério de nosso Senhor. O livro pode ser dividido em dez seções, que alternam o “fazer” e o “ensinar”. Cada seção de ensinamentos termina com a frase: “Quando Jesus terminou estas palavras” ou uma declaração semelhante de transição. Os capítulos podem ser divididos da seguinte maneira:

Narrativa
Ensinamentos
Transição
1-4
5 - 7
7:28
8:1 – 9:34
9:35 – 10:42
11:1
11:2 – 12:50
13:1-52
13:53
13:53 – 17:27
18:1-35
19:1
19:1 – 23:39
24:1 – 25:46
26:1
26:1 – 28:20   (a narrativa
 da Paixão)

Mateus descreve Jesus como um Homem de ação e um Mestre, registrando pelo menos vinte milagres específicos e seus mensagens principais: o Sermão do Monte (caps. 5-7), a comissão dos apóstolos (cap. 10), as parábolas do reino (cap. 13), as lições sobre o perdão (cap. 18), as acusações contra os fariseus (cap. 23), o discurso profético no monte das Oliveiras (cap. 24-25). Pelo menos 60% do livro é dedicado ais ensinamentos de Jesus.

É importante lembrar que Mateus concentra-se no reino. No Antigo Testamento, a nação de Israel era o reino de Deus na terra: “Vós me sereis reino de sacerdotes e nação santa” (Ex 19:6). Muitos, nos dias de Jesus, esperavam pelo libertador enviado por Deus, que os libertaria da escravidão romana e restabeleceria o reino glorioso de Israel.

A mensagem do reino dos céus foi pregada inicialmente por João Batista (Mt 3:1-2). Jesus também pregou esta mensagem no começo do seu ministério (4:23) e enviou os doze apóstolos com a mesma proclamação (Mt 10:1-7).

Porém, as boas novas do reino exigiam do povo uma resposta moral e espiritual, não apenas a aceitação de um conjunto de regras. João Batista pedia arrependimento. Semelhantemente, Jesus deixou bem claro que não tinha vindo para conquistar Roma, mas para transformar o coração e a vida daqueles que cressem nele. Antes de entrar na glória do reino, Jesus suportou o sofrimento da cruz.

Podemos observar, ainda, que Mateus organizou seus textos de acordo com tópicos, não em sequencia cronológica. Agrupou dez milagres nos capítulos 8-9 em vez de colocá-los dentro de sua sequencia histórica aos longo da narrativa do Evangelho. Sem dúvida, vários outros acontecimentos foram totalmente omitidos. Ao considerar a harmonia existente entre os Evangelhos, vemos que Mateus segue um padrão próprio sem, no entanto, contradizer os outros evangelistas.

Além de ser responsável pela tradição do Antigo para o Novo Testamento e de apresentar a biografia de um novo Rei, Jesus Cristo, Mateus também cumpriu um terceiro propósito ao escrever seu livro.

3. O homem de fé: apresentou um novo povo
Esse novo povo era, evidentemente, a Igreja. Mateus é o único escritor a usar a palavra igreja em seu texto (Mt 16:18; 18:17). O termo grego traduzido por “igreja” significa “uma assembleia chamada para fora”. No Novo Testamento, esse termo refere-se, em geral, à congregação local dos cristãos. No Antigo Testamento, Israel era escolhido por Deus, começando com o chamado de Abraão (Gn 12:1ss; Dt 7:6-8). Aliás, Estêvão chama a nação de Israel de “a congregação [igreja] no deserto” (At 7:38), pois era o povo de Deus chamado para fora.

Porém, a Igreja do Novo Testamento é formada por um povo diferente, pois é constituída tanto de judeus quanto de gentios. Nessa igreja, não há qualquer distinção racial (Gl 3:28). Apesar de ter escrito principalmente para judeus, ainda assim o Evangelho de Mateus possui um elemento “universal” que inclui os gentios. Por exemplo, líderes gentios vão adorar o menino Jesus (Mt 2:1-12). Jesus realiza milagres para os gentios e até os elogia por sua fé (Mt 8:5-13; 15:21-18). A rainha de Sabá é louvada por se mostrar disposta a fazer uma longa jornada a fim de ouvir a sabedoria de Salomão (Mt 12:42). Num momento de crise em seu ministério, Jesus fala de uma profecia sobre os gentios (Mt 12:14-21). Mesmo nas parábolas, Jesus indica que as bençãos que Israel recusou seriam compartilhadas com os gentios (Mt 22:8-10; 21:40-46). De acordo com o discurso no monte das Oliveiras, a mensagem seria levada “a todas as nações” (Mt 24:14), e a comissão do Senhor envolveria todas as nações (Mt 28:19-20).

Na igreja primitiva, havia apenas cristãos judeus e prosélitos (At 2-7). Quando o evangelho chegou a Samaria (At 8), o povo mestiço de judeus e gentios passou a fazer parte da igreja. Depois que Pedro foi à casa de Cornélio (At 10), os gentios também começaram a participar da Igreja. A assembleia de Jerusalém (At 15) determinou que os gentios não precisavam tornar-se judeus antes de se tornar cristãos.

Mateus apresenta toda esta questão de antemão, e quando seu livro foi lido pelos membros judeus e gentios da Igreja primitiva, ajudou a resolver diferenças e a promover a unidade. Mateus deixa claro que esse novo povo, a Igreja, não deveria apoiar qualquer forma de exclusão racial ou social. Pela fé em Jesus Cristo, os cristãos são “todos um” no corpo de Cristo, a Igreja.

A própria experiência de Mateus com o Senhor, relatada em Mateus 9:9-17, é um belo exemplo da graça de Deus. Seu antigo nome era Levi, o filho de Alfeu (Mc 2:14). “Mateus” significa “o dom de Deus”. Ao que parece, esse nome foi dado para comemorar sua conversão e seu chamado para ser discípulo.

É importante lembrar que os coletores de impostos faziam parte de uma das classes mais odiadas da sociedade judaica. Para começar, eram traidores da própria nação, pois ganhavam o sustento “vendendo-se” aos romanos ao trabalhar para o governo. Cada coletor adquiria de Roma o direito de recolher impostos; quanto mais recolhia, mais conseguia guardar para si. Os coletores eram considerados ladrões e traidores, e seus contatos com os gentios também os colocavam à margem da religião, a ponto de serem tidos como impuros. Jesus refletiu a opinião popular acerca dos publicanos ao classificá-los junto a prostituas e a outros pecadores (Mt 5.46, 47; 18:17), mas deixou claro que era “amigo de publicanos e pecadores” (Mt 11:19; 21;31,32).

Mateus abriu o seu coração para Jesus Cristo e se tornou uma nova pessoa. Não foi uma decisão fácil para ele. Era de Cafarnaum, cidade que havia rejeitado o Senhor (Mt 11:23). Também era um negociante conhecido na cidade e, provavelmente, foi perseguido pelos amigos de outros tempos. Sem dúvida, perdeu muito dinheiro quando deixou tudo para seguir a Cristo.

Mateus não apenas abriu seu coração, mas também sua casa. Sabia que muitos de seus velhos amigos, senão todos, o abandonariam quando começasse a seguir a Jesus Cristo. Por isso, aproveitou a situação e os convidou para conhecer Jesus. Deu uma grande festa e convidou todos os coletores de impostos (é possível que alguns deles fossem gentios) e judeus que não guardavam a lei (“pecadores”).

Evidentemente, os fariseus criticaram Jesus por assentar-se à mesma mesa que toda essa gente impura e até tentaram instigar os discípulos de João Batista a criar uma desavença (Lc 5:33). No entanto, Jesus explicou por que estava andando com “publicanos e pecadores”: eram espiritualmente enfermos e precisavam de um médico. O Senhor não veio chamar os justos, pois não havia justos. Veio chamar pecadores, e isso incluía os fariseus. Por certo, seus críticos não se consideravam “enfermos espirituais”, mas isso não muda o fato de que eram isso mesmo.

Mateus não apenas abriu o seu coração e sua casa como também abriu suas mãos e trabalhou para Cristo. Alexander White de Edimburgo disse, certa vez, que, quando Mateus deixou seu emprego para seguir a Cristo, levou consigo sua pena de escrever! Mal sabia ele, na época, que um dia seria usado pelo Espírito para escrever o primeiro dos quatro Evangelhos do Novo Testamento!

Diz a tradição que Mateus ministrou na Palestina durante vários anos, depois que Jesus voltou para o céu, e que fez viagens missionárias para levar o evangelho aos judeus dispersos entre os gentios. Seu trabalho é relacionado à Pérsia, Etiópia e Síria, e algumas tradições incluem ainda a Grécia. O Novo Testamento não diz coisa alguma sobre sua vida, mas podemos afirmar com certeza que, por onde quer que as Escrituras passem neste mundo, o Evangelho escrito por Mateus continua a ministrar ao coração de seus leitores.


Fonte: WIERSBE, Warrem W. Comentário Bíblico Expositivo: Novo Testamento: volume I. Santo André,SP: Geográfica Editora, 2006.





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