terça-feira, 28 de janeiro de 2014

A visão divina


[John Stott]

A visão que precisamos ter é a de Deus, o Deus de toda a revelação bíblica; o Deus da Criação, que fez todas as coisas agradáveis e boas e que fez o homem e a mulher à sua imagem para subjugar o mundo; o Deus da aliança da graça, que, apesar da rebelião humana, está chamando pessoas para si mesmo; o Deus de compaixão e justiça, que odeia a opressão e ama o oprimido; o Deus da encarnação, que se fez fraco, pequeno, limitado e vulnerável e que participou de nossa dor e alienação; o Deus da ressurreição, ascensão e Pentecoste, e, portanto, do poder e autoridade universais; o Deus da Igreja ou da comunidade do Reino, com a qual ele se comprometeu para sempre; o Deus da História, que trabalha de acordo com um plano em direção à conclusão; o Deus do eschaton, que um dia fará novas todas as coisas.

Aqui não há espaço para o pessimismo, tampouco para a apatia. Há lugar apenas para a adoração, para a fé que permanece na expectativa e para a obediência prática em testemunho e serviço. Pois, uma vez que tenhamos visto a glória de nosso Deus e a grandeza de sua comissão, podemos apenas responder: “Não fui desobediente à visão celestial”.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Três parábolas sobre leitura e reflexão


"Comecemos com a leitura feita por Søren Kierkegaard de Tiago 1.22-27. Aquele que ouve a Palavra de Deus e a segue é como uma pessoa que se olha no espelho e passa a se lembrar do que vê dali em diante. Que tipo de olhar sobre si mesmo no espelho da Palavra de Deus, pergunta ele, é necessário a fim de que se receba uma benção verdadeira? Ele responde que só se beneficia do olhar em direção à Palavra aquele que vai além de observar o espelho para ver a si próprio. Assim, a parábola de Tiago “alerta contra o erro de se passar a examinar o espelho, em vez de olhar-se no espelho”.

Ver a si mesmo no espelho”. A leitura de Kierkegaard dessa imagem bíblica imediatamente nos apresenta um problema de e para a interpretação. O que Kierkegaard quer dizer com “ver a si mesmo”? Estaria ele sugerindo que não há nada no texto, de forma que o leitor descobre apenas a si mesmo nele, ou que só se pode realmente ver a si próprio quando se consegue captar o significado bíblico, digamos, do pecado e da salvação? Em outras palavras, os leitores projetam a si próprios sobre o texto ou descobrem a si próprios no texto? Essa “imagem do espelho” suscita aquilo que acredito seja a pergunta mais importante para as teorias contemporâneas de interpretação, quer da Bíblia quer de qualquer outro livro: existe alguma coisa no texto que reflita uma realidade independentemente da atividade interpretativa do leitor, ou o texto apenas reflete a realidade do leitor?

A segunda parábola de Kierkegaard, “a carta do amante”, é sobre um homem que recebe de sua amada uma carta escrita em língua estrangeira. Desesperado para ler a carta, ele pega um dicionário e começa a traduzir uma palavra por vez. Um conhecido entra, interrompe sua tradução, e diz: “Ah, você está lendo uma carta de sua amada”. O amante responde: “Não, meu amigo, estou aqui me esfalfando com um dicionário. Se você chama isso de leitura, está zombando de mim”. A posição de Kierkegaard é a de que a erudição linguística e histórica não é uma leitura verdadeira. É como examinar e explorar o próprio espelho – como olhar para o espelho, em vez de olhar no espelho. Esse, sugere ele, é o perigo da moderna crítica bíblica.

Na parábola do “decreto real”, Kierkegaard nos pede que imaginemos um país no qual é promulgada uma ordem real. No entanto, em vez de obedecer à ordem, os súditos do rei começam a interpretar. A cada dia, surgem novas interpretações da ordem. Em pouco tempo, a população mal consegue acompanhar a enorme quantidade de interpretações: “Tudo é interpretação – mas ninguém lê a ordem real de forma a poder obedecê-la”.

Ora, a Palavra de Deus é, ao mesmo tempo, carta de amor e decreto real. Nós olhamos para ela ou nela? Nós a seguimos ou a “interpretamos”? Nós nos vemos ou nos projetamos nela? Essas parábolas deveriam estimular os leitores a examinarem a si próprios a fim de verem e estão “na fé” quando buscam o entendimento. Acredito que aquilo que era verdadeiro no tempo de Kierkegaard é ainda mais verdadeiro no nosso tempo. Precisamos examinar a teoria e a prática da interpretação contemporânea para ver se elas se encontram “na fé”, pois alguns leitores tramam privar a Bíblia de sua autoridade por meio da interpretação. Kierkegaard lamenta: “Minha casa será casa de oração; mas vocês fizeram dela um covil de ladrões. E a Palavra de Deus – qual é, segundo seu propósito, e em que nós a transformamos?”.

A moral das parábolas de Kierkegaard é a de que os leitores deixaram de ter o privilégio e a responsabilidade de interpretar com seriedade. O propósito da interpretação não é mais recuperar e relacionar-se com uma mensagem vinda de alguém diferente de nós, mas precisamente evitar tal confronto. O empreendimento da interpretação é um impedimento: constantemente produzir leituras para impedir que se responda ao texto. Qual o objetivo de cada interpretação? A resposta de Kierkegaard é cínica, porém perspicaz: “Olhem mais de perto, e vocês verão que essa é uma forma de defesa contra a Palavra de Deus”. A fim de evitar verem-se a si mesmos nas Escrituras como realmente são, alguns leitores preferem ou olhar para o espelho, ou projetar suas próprias, e mais lisonjeiras, imagens."

Fonte: VANHOOZER, Kevin J. Há um significado neste texto? Interpretação bíblica: os enfoques contemporâneos. São Paulo: Editora Vida, 2005, 663 pgs.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

A Divindade de Deus



[Por 
Arthur W. Pink]

A verdadeira fé é aquela que dá a Deus o lugar que Lhe é devido. E se dermos a Deus o Seu lugar devido, assumiremos o lugar que nos é próprio – no pó. E o que pode trazer a criatura orgulhosa e auto-suficiente mais rápido ao pó senão uma visão da Divindade de Deus? Nada é tão humilhante para o coração humano como o verdadeiro reconhecimento da absoluta soberania de Deus. O principal problema é que muito do que é considerado fé, hoje, não passa de frágil sentimentalismo. A fé da Cristandade, neste século XX, é mera credulidade, e o “deus” de muitas das nossas igrejas não é o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, mas um mero fruto da imaginação, que mentes finitas possam entender, cujos caminhos sejam agradáveis ao homem natural (não nascido de novo); um “deus” totalmente “igual” (Salmos 50:21) àqueles que professam adorá-lo; um “deus” a respeito do qual quase não há mistério. Mas como é diferente o Deus que as Escrituras revelam! DEle é dito, Seus caminhos são “inescrutáveis” (Romanos 11:33). Para ser mais específico:
1. O “deus” moderno é completamente carente de poder.

A idéia popular, nos dias de hoje, é que a deidade é cheia de amigáveis intenções para com os homens, mas que Satanás está impedindo que se lhes faça algum bem. Não é da vontade de Deus, assim nos dizem, que haja guerras, pois as guerras são algo que os homens são incapazes de reconciliar com suas idéias da misericórdia divina. Então, a conclusão é que todas as guerras são do Diabo. Pragas e terremotos, fomes e furacões não são enviados por Deus, mas são atribuídos somente às causas naturais. Afirmar que o Senhor Deus enviou a recente epidemia de gripe (na época, matava – Nota do Editor) como um golpe de julgamento, iria chocar a sensibilidade da mente moderna. Coisas como estas causam dor a “deus” pois “ele” NÃO deseja senão a felicidade de todos.
2. O “deus” moderno é completamente carente de sabedoria.

A crença popular é que Deus ama a todos, e que é da Sua vontade que cada filho de Adão seja salvo. Mas, se isto for verdade, Ele está estranhamento carecendo de sabedoria, pois Ele sabe muito bem que, sob as condições existentes, a maioria se perderá.

3. O “deus” moderno é carente de santidade.

Que o crime merece punição é aceito em parte, embora cada vez mais uma crença esteja ganhando terreno: a de que o criminoso é realmente mais objeto de pena do que de censura, e que ele precisa de educação e reforma ao invés de punição. Mas que o PECADO – tanto pecados em pensamentos como em atos, pecados de coração como pecados da vida, pecados de omissão bem como de comissão, tanto a própria raiz pecaminosa como o seu fruto – deva ser odiado por Deus, pecado contra o qual a Sua santa natureza se inflama, é um conceito que saiu quase que completamente de moda, e que o próprio pecador é odiado por Deus é negado com indignação mesmo por aqueles que se ufanam em alta voz da sua ortodoxia.

4. O “deus” moderno é completamente carente de prerrogativas de soberania.

Quaisquer que sejam os direitos que a deidade da Cristandade atual possa supostamente possuir em teoria, de fato eles devem ser subordinados aos “direitos” da criatura. Nega-se, quase universalmente, que os direitos do Criador sobre Suas criaturas seja o do Oleiro sobre o barro. Quando se afirma que Deus tem o direito de fazer um vaso para honra e outro vaso para desonra, o grito de injustiça ergue-se instantaneamente. Quando se afirma que a salvação é um dom e que este dom é conferido àqueles a quem Deus se agrada em dar, é dito que Ele é parcial e injusto. Se Deus tem algum dom para partilhar, Ele deve distribuir a todos igualmente, ou pelo menos distribuí-los àqueles que merecem, não importa quem possam ser. E assim é dada a Deus menos liberdade do que a mim, que posso distribuir minha caridade como bem quero, dando a um mendigo um pouco mais, a outro um pouco menos, e a um terceiro nada se assim achar por bem.

Como o Deus da Bíblia é diferente do “deus” moderno!
O Deus da Escritura é Todo-Poderoso

Ele é aquele que fala e é feito; que ordena e há prontidão. Ele é Aquele para quem “
todas as coisas são possíveis” e “faz todas as cousas segundo o conselho da sua vontade” (Efésios 1:1)…

O Deus da Escritura é infinito em sabedoria

Nenhum segredo pode ser escondido dEle, nenhum problema pode confundi-Lo, nada é difícil demais para Ele. Deus é onisciente – “
Grande é o Senhor nosso e mui poderoso; o seu entendimento não se pode medir” (Salmos 147:5). Portanto se diz, “Não se pode esquadrinhar o seu entendimento” (Isaías 40:28). Daí a razão porque numa revelação dEle nós esperamos encontrar verdades que transcendem o alcance da mente da criatura, e, portanto, é evidente a tolice presunçosa e a impiedade daqueles que não passam de “pó e cinza” ao tentarem pronunciar a racionalidade ou irracionalidade das doutrinas que estão acima da razão!

O Deus da Escritura é infinito em santidade

O “único Deus verdadeiro” é aquele que odeia o pecado com uma perfeita repulsa, e cuja natureza eternamente se inflama contra ele. Ele é Aquele que contemplou a impiedade dos antediluvianos e que abriu as janelas do céu derramando o dilúvio da Sua justa indignação. Ele é Aquele que fez chover fogo e enxofre sobre Sodoma e Gomorra e destruiu completamente aquelas cidades da planície. Ele é Aquele que enviou pragas ao Edito, e destruiu seu orgulhoso monarca juntamente com seus exércitos no Mar Vermelho. Deus é tão santo e tal é o antagonismo da Sua natureza para com o mal que, por um pecado, Ele baniu nossos pais do Éden; por um pecado Ele amaldiçoou a posteridade de Cão; por um pecado Ele transformou a esposa de Ló numa coluna de sal; por um pecado Ele enviou fogo e devorou os filhos de Araõ; por um pecado Moisés morreu no deserto; por um pecado Acã e sua família foram todos apedrejados até à morte; por um pecado o servo de Elias foi ferido com lepra.
Contemplem, portanto, não somente a bondade, mas também “a severidade de Deus” (Romanos 11:22). E este é o Deus com quem todo aquele que rejeita a Cristo tem que se encontrar no julgamento!

O Deus da Escritura tem uma vontade que é irresistível

O homem fala e se orgulha da sua vontade, mas Deus também tem uma vontade! Os homens tiveram uma vontade nas planícies de Sinear e a dedicaram a construir uma torre cujo topo alcançasse o céu, mas em que resultou? Deus também tinha uma vontade, e o esforço cheio de vontade deles resultou em nada. Faraó tinha uma vontade quando ele endureceu seu coração e se recusou a permitir que o povo de Jeová fosse ao deserto e lá O adorasse, mas em que resultou? Deus tinha uma vontade, também, e sendo Todo-Poderoso Sua vontade foi realizada. Balaque tinha uma vontade quando contratou Balaão para vir a amaldiçoar os hebreus, mas de que adiantava? Os cananitas tinham uma vontade quando eles determinaram impedir Israel de ocupar a terra prometida, mas até onde eles foram bem sucedidos? Saul tinha uma vontade quando ele arremessou sua lança contra Davi, mas, ao invés de matar o ungido do Senhor, a lança foi parar na parede.

Sim, meu leitor, e você também tinha uma vontade quando fez seus planos sem buscar primeiro o conselho do Senhor, e por isso Ele os fez cair por terra. Assim como uma criança pode tentar impedir o oceano de se mover, assim também a criatura pode tentar resistir ao desenrolar do propósito do Senhor – “Ah! SENHOR, Deus de nossos pais, porventura não és tu que dominas sobre todos os reinos dos povos? Na tua mão está a força e o poder, e não há quem te possa resistir” (2 Crônicas 20:6).
O Deus da Escritura é Soberano absoluto.

Tal é a Sua própria reivindicação: “
Este é o desígnio que se formou concernente a toda a terra; e esta é a mão que está estendida sobre todas as nações. Porque o SENHOR dos Exércitos determinou; quem, pois, o invalidará? A sua mão está estendida; quem, pois, a fará voltar atrás?” (Isaías 14:26 e 27). A Soberania de Deus é absoluta e irresistível: “Todos os habitantes da terra são por ele reputados em nada; e segundo a sua vontade ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?” (Daniel 4:35). A Soberania de Deus é verdadeira não só hipoteticamente, mas de fato. Isto quer dizer, Deus exercita Sua soberania, a exercita tanto na esfera natural quando na espiritual. Um nasce negro, outro branco. Um nasce em riqueza, outro em pobreza. Um nasce com um corpo saudável, outro enfermo e defeituoso. Um é cortado na infância, outro vive até a velhice. A um são dados cinco talentos, a outros só um. Em todos estes casos é Deus o Criador que faz com que um seja diferente do outro, e “ninguém pode deter Sua mão”. É assim também na esfera espiritual. Um nasce em lar piedoso e é criado no temor e na admoestação do Senhor; o outro é nascido de pais criminosos e é criado no meio do vício. Um é objeto de muitas orações, por outro não se ora. Um ouve o Evangelho desde a infância, outro nunca o ouve. Um senta-se sob o ministério de alguém que ensina as Escrituras, outro não ouve nada senão erros e heresias. Daqueles que ouvem ao Evangelho, um tem o seu coração “aberto pelo Senhor” para receber a verdade, enquanto outro é deixado para si mesmo. Um é “ordenado para a vida eterna” (Atos 13:48), enquanto que outro é “ordenado” para condenação (Judas 4). Para quem Deus quer Ele mostra misericórdia, e para com quem Ele quer, Ele “endurece” (Romanos 9:18).

Fonte: Revista Os Puritanos
resistireconstruir.wordpress.com

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

O Chão que me Sustenta


[por Guilherme de Carvalho]

- Qual é o seu único conforto, na vida e na morte?”
- O meu único conforto é meu fiel Salvador Jesus Cristo.”


Com estas palavras abre-se o Catecismo de Heidelberg, que em janeiro completou 450 anos e é reconhecidamente um dos mais importantes símbolos confessionais do protestantismo. Não apenas seu caráter Cristocêntrico, como também seu profundo sentido espiritual revelam-se ao longo de todo o primeiro artigo:

- A Ele pertenço, em corpo e alma, na vida e na morte, e não pertenço a mim mesmo. Com seu precioso sangue Ele pagou por todos os meus pecados e me libertou de todo o domínio do diabo. Agora Ele me protege de tal maneira que, sem a vontade do meu Pai do céu, não perderei nem um fio de cabelo. Além disto, tudo coopera para o meu bem. Por isso, pelo Espírito Santo, Ele também me garante a vida eterna e me torna disposto a viver para Ele, daqui em diante, de todo o coração.”

Captura a minha atenção, nesse primeiro artigo do catecismo, a conexão imediata entre a doutrina e a existência. O texto não fala de algo abstrato, puramente teológico, mas de algo dramático, duma questão de vida e morte. O que pode ser tão amplo que abarque a vida e também a morte? E não apenas amplo mas também urgente, já que a vida está o tempo inteiro à beira da morte?
A questão que é de “vida e morte” é a questão do meu consolo último, do esteio da minha existência, e aqui as coisas se tornam não apenas momentosas, urgentes e solenes, mas profundamente afetivas e íntimas. “O meu conforto na vida e na morte” é coisa sobre a qual não posso me pronunciar sem respirar fundo e até fechar os olhos. Pois não se trata apenas de uma confissão sobre o que se concorda ou sobre correção doutrinária, mas sobre a minha posição agora, nesse instante, sobre como eu me sinto a respeito de mim e do meu destino – por isso, aparentemente, uma tradução Brasileira do catecismo traz a palavra “fundamento” no lugar de “conforto” ou “consolo” [...]. Trata-se de algo sobre “o que é o meu chão”, parafraseando a tradução Brasileira. Qual é o fundamento da minha existência? O que dá sentido para minha vida, e orientação, e segurança?

Todo o primeiro artigo do catecismo gira em torno da segurança: a ele pertenço… e não pertenço a mim mesmo… Agora ele me protege… tudo coopera para o meu bem… Ele também me garante a vida eterna e me torna disposto a viver para Ele…” A Reforma compreendeu muito bem que a realidade da salvação é expressa em uma reorganização da existência em torno de Cristo, e que uma das primeiras expressões disso é a segurança Cristã – talvez não a primeira em termos temporais, mas certamente em importância real. Essa segurança precisa ser exposta, trazida à frente e alimentada até tornar-se uma autodefinição: “Eu sou isso: eu sou alguém que está nas mãos de Jesus Cristo, alguém que viverá e morrerá Nele”. Ela é natural para o cristão, mas não é automática: precisa receber chuva e sol, sobreviver a ventos e pragas, lançar raízes e engrossar; e um dos modos de alimentar essa planta é a confissão da fé, quando dizemos para Deus, para o mundo, e para nós o que cremos e o que somos.

Para mim é impossível não pensar, aqui, nas palavras do apóstolo Paulo em Romanos, naquele capítulo crucial e climático da Escritura: “Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós não dará graciosamente com ele todas as cousas?” (Rm 8.32). Essa é a lógica do cristianismo: é a hermenêutica fiel. Não hermenêutica da Bíblia apenas, e nem mesmo uma hermenêutica filosófica, mas algo muito mais visceral e que condicionará tanto a nossa leitura Bíblica quanto a nossa interpretação filosófica: aquele “sentimento da existência” cheio de gratidão e segurança, e que não pode senão inferir do evangelho que todas as coisas cooperam para o meu bem (Rm 8.28), e que celebra isso secretamente com um sorriso suave diante da vida e diante da morte, um sorriso que não é destruído nem quando se chora de tristeza.

Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós não dará graciosamente com ele todas as cousas?”

O Espírito testifica com o nosso espírito que somos Filhos de Deus” (Rm 8.14). Certíssimos estavam os puritanos e, exatamente nesse ponto, o Dr. Martin Lloyd Jones, que me introduziu a eles: a certeza da salvação é mesmo muito importante, e não deve ser trivializada nem dificultada. Trata-se de uma pedra muito preciosa que já está lá no coração do regenerado, talvez ainda em estado bruto aguardando lapidação; mas a seu tempo ela será visível, em seu devido lugar: a jóia esplêndida que só pode ser encontrada no dedo dos eleitos.

O que o catecismo quer comunicar não é apenas uma doutrina, mas o 'pathos' apropriado a ela, e faríamos muito bem em apreendê-lo. Eu apenas acrescentaria que será extremamente útil lançar luz sobre a presença e o caráter dos ídolos contemporâneos, aos quais nos agarramos para constituir nossa identidade e ganhar segurança. Pois com facilidade essa confissão sobre Jesus ser o único conforto é pronunciada hipocritamente ou, no mais das vezes, desatentamente, enquanto ainda buscamos conforto em outras fontes, que podem ser o sucesso vocacional, o marido e a esposa, um bom videogame ou uma ideologia política (ídolo corriqueiro entre evangélicos à esquerda e à direita do mundo).

Francis Schaeffer usava uma interessante metáfora para descrever o modo como preparava as pessoas para o evangelho: “arrancar o telhado”. As pessoas costumam viver inconscientes da contradição irreconciliável entre sua descrença em Deus (descrença que sempre pressupõe crenças alternativas) e sua condição humana. Expor e denunciar essa tensão, mostrar que é impossível ser humano sem Deus, seria “arrancar o telhado” pelo bem da pessoa.

Arrancar o chão da falsa segurança é frequentemente mais difícil que arrancar o telhado da ideologia. Não dá pra fazer somente com palavras e diálogo; primeiro a casa inteira tem que cair. É sempre Deus mesmo quem tira o chão de alguém, quando quebra seus ídolos e expõe com toda a crueza a sua vaidade. Deus é quem promove em nós uma santa insegurança, até às raias do desespero, para que encontremos nele a segurança genuína, a consolação que transborda por meio de Cristo (2Co 1.8-9). Mas se pudemos dialogar com as pessoas e interpretar esse juízo, depois, durante ou mesmo antes da quebra dos ídolos, estaremos talvez “preparando o caminho do Senhor”. Não podemos produzir a fé correta, mas é nosso dever despertar a dúvida sobre a fé idólatra. E nada como uma boa dúvida para dissolver devoções ilusórias e nos relançar na rota da segurança autêntica!

Roçar a terra do coração, para deixar a Esperança nascer…


Qual é o chão sobre o qual pisamos? É mesmo o chão da confissão de fé, a única fonte possível de conforto? O que é pra nós a fonte de significado e segurança, aquilo que sustenta nosso senso de estabilidade, que é o ponto de partida para nossas incursões no mundo do trabalho e na cultura, e o lugar de retorno sobre o qual construímos nossas expectativas e planejamos o futuro?

Jesus é o único consolo porque é o Novo Homem; porque nele o Pai fez “novas todas as coisas”. Ele é o primogênito e a raiz da Nova Criação. Nele todas as coisas são reconciliadas com Deus; nele temos a Deus e a nós mesmos de forma perfeita. Ele é, objetivamente, o único fundamento e o único conforto. Mas é preciso que ele seja o meu e o seu conforto; e não apenas o nosso consolo para ganhar o céu, mas também o consolo para vivermos e morrermos; um fundamento para sermos humanos no mundo. Se desejamos que a segurança Cristã transpareça em nosso viver ordinário, é preciso que cada aspecto desse viver ordinário seja fundamentado e enraizado no extraordinário, que é Cristo. E onde Cristo não for o chão da casa tudo será incerto, inseguro, dominado pelo pavor da finitude e do vazio. Porque não há outro chão. Sem esse chão só há a areia fina da finitude. Pense nisso, medite nisso: a vaidade e a fragilidade de tudo o que somos e fazemos, à parte de Jesus Cristo. Não, isso não é cultivar o desânimo; é roçar a terra do coração para deixar a Esperança nascer.

Lembremo-nos do catecismo de Heidelberg, e do apóstolo Paulo, que inspirou o catecismo: não há outro conforto senão aquele que vem do Deus de toda a consolação (2Co 1.3-10). Não há outro, não apenas para a “vida religiosa”, para a “salvação eterna”, para o púlpito e para organizar a vida na comunidade eclesiástica; não há outro razão para sermos humanos, mesmo em face da morte. Você estará perfeitamente firme e seguro, se desistir de construir sobre a areia e plantar sua casa em uma rocha; se permitir que Deus desfaça todas as suas seguranças no fogo do desespero, para que sua segurança esteja apenas naquele que ressuscita os mortos.

Fonte: blog Mero Cristianismo


sábado, 11 de janeiro de 2014

Exposição bíblica na pregação é de suma importância para os membros da igreja.


[Dr. Russell Shedd]

Uma pequena pesquisa realizada por um professor do Seminário Batista de Brasília ressaltou a necessidade de exposição bíblica na pregação. A questão que os alunos deveriam responder foi: qual era a opinião que os membros das igrejas faziam das mensagens que seus pastores pregavam? As opiniões foram as seguintes: 1) eles lêem, mas não explicam a Bíblia; 2) não aplicam os ensinamentos bíblicos às vidas dos membros; 3) dão mais atenção aos negócios da igreja do que ao crescimento espiritual dos membros.

O remédio mais eficaz para estas omissões da parte de alguns dos pastores depende de três passos: 1) exegese cuidadosa do texto; 2) busca e desenvolvimento textual do ensinamento central da passagem bíblica; 3) Uma vez concluído este trabalho básico, organize uma aplicação do ensinamento às vidas dos ouvintes. Talvez uma exposição resumida de Romanos 12.1,2 ajude.

Primeiro, Paulo apela aos irmãos de Roma a oferecerem, cada um, o seu corpo em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus. Esse sacrifício pode ser feito unicamente pelas misericórdias de Deus. Refere-se ao sacrifício do corpo de Jesus Cristo na cruz do Calvário. Por meio do sacrifício dele, nós todos podemos receber a justificação pela fé. Como Deus aceitou o sacrifício e aplicou seus benefícios a nós, nossos corpos são santificados e aceitáveis a Deus.

Segundo, o verbo "ofereçam" se encontra no infinitivo
aoristo, indicando uma oferta feita uma vez para sempre. É definitivo. O casamento bíblico também ilustra este relacionamento permanente ("Até a morte nos separar" – Rm 7.1-3). Uma vez sacrificado, pertence a Deus para sempre.

Terceiro, o corpo que oferecemos a Deus, agora não nos pertence mais. Como o escravo judeu que amava ao seu mestre e não queria deixá-lo, deveria ter a orelha furada (Dt 15.16,17),
a vida sacrificada deve ser para sempre.

Quarto, aquele que sacrifica o seu corpo assim, descobre que tem um relacionamento agradável, prazeroso, porque agrada a Deus. Não há ninguém tão importante para agradar como ele.

Quinto, "
culto racional ou espiritual" deve comunicar mais do que adoração. A palavra 'latreia' fala de um compromisso de serviço (compare "idolatria").

Consideremos agora a conexão entre os dois versos.

1. Todos os cristãos sacrificados precisam passar por mudanças. A cultura do mundo tem como seu deus o próprio Satanás (2 Co 4.4). O estilo de vida de um escravo de Deus e o de um escravo do "senhor deste mundo" são incompatíveis. Tem de haver uma transformação de mentalidade que somente é possível pela poderosa ação do Espírito Santo. Constitui um novo padrão de pensamento (Fp 4.8). Tal como um homem pensa, ele é.

2. Essa metamorfose, de acordo com o ensino da Bíblia, confirma (
dokimazein) para nós que a vontade de Deus é boa, agradável e perfeita. Esse processo de aprendizado e rejeição dos valores e práticas do mundo se chama santificação. O uso dos verbos na voz passiva e no tempo presente contínuo explica que, gramaticalmente, santificação é um processo que avança durante toda a vida.


Conclusão: Exposição da Palavra reconhece em primeiro lugar que a Bíblia é a Palavra de Deus. Explicar o que diz o texto deveria, portanto, ser obrigatório. Oferecer opiniões humanas, contar histórias e comentar eventos políticos do país e do cenário mundial não satisfazem as necessidades prementes dos cristãos sedentos para saberem se não há alguma palavra do Senhor. "Pregue a palavra" é a ordem de Paulo para Timóteo; não é menos necessário hoje do que no século primeiro.


Dr. Russell Shedd é Ph.D. em Novo Testamento pela Universidade de Edimburgo (Escócia), pastor, professor, escritor e conferencista



sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Sobre pastores e lobos


[por Osmar Ludovico]


Pastores e lobos têm algo em comum: ambos se interessam e gostam de ovelhas, e vivem perto delas. Assim, muitas vezes, pastores e lobos nos deixam confusos para saber quem é quem. Isso porque lobos desenvolveram uma astuta técnica de se disfarçar em ovelhas interessadas no cuidado de outras ovelhas. Parecem ovelhas, mas são lobos.

No entanto, não é difícil distinguir entre pastores e lobos. Urge a cada um de nós exercitar o discernimento para descobrir quem é quem.

Pastores buscam o bem das ovelhas, lobos buscam os bens das ovelhas.
Pastores gostam de convívio, lobos gostam de reuniões.
Pastores vivem à sombra da cruz, lobos vivem à sombra de holofotes.
Pastores choram pelas suas ovelhas, lobos fazem suas ovelhas chorar.
Pastores têm autoridade espiritual, lobos são autoritários e dominadores.
Pastores têm esposas, lobos têm coadjuvantes.
Pastores têm fraquezas, lobos são poderosos.
Pastores olham nos olhos, lobos contam cabeças.
Pastores apaziguam as ovelhas, lobos intrigam as ovelhas.
Pastores têm senso de humor, lobos se levam a sério.
Pastores são ensináveis, lobos são donos da verdade.
Pastores têm amigos, lobos têm admiradores.
Pastores se extasiam com o mistério, lobos aplicam técnicas religiosas.
Pastores vivem o que pregam, lobos pregam o que não vivem.
Pastores vivem de salários, lobos enriquecem.
Pastores ensinam com a vida, lobos pretendem ensinar com discursos.
Pastores sabem orar no secreto, lobos só oram em público.
Pastores vivem para suas ovelhas, lobos se abastecem das ovelhas.
Pastores são pessoas humanas reais, lobos são personagens religiosos caricatos.
Pastores vão para o púlpito, lobos vão para o palco.
Pastores são apascentadores, lobos são marqueteiros.
Pastores são servos humildes, lobos são chefes orgulhosos.
Pastores se interessam pelo crescimento das ovelhas, lobos se interessam pelo crescimento das ofertas.
Pastores apontam para Cristo, lobos apontam para si mesmos e para a instituição.
Pastores são usados por Deus, lobos usam as ovelhas em nome de Deus.
Pastores falam da vida cotidiana, lobos discutem o sexo dos anjos.
Pastores se deixam conhecer, lobos se distanciam e ninguém chega perto.
Pastores sujam os pés nas estradas, lobos vivem em palácios e templos.
Pastores alimentam as ovelhas, lobos se alimentam das ovelhas.
Pastores buscam a discrição, lobos se autopromovem.
Pastores conhecem, vivem e pregam a graça, lobos vivem sem a lei e pregam a lei.
Pastores usam as Escrituras como texto, lobos usam as Escrituras como pretexto.
Pastores se comprometem com o projeto do Reino, lobos têm projetos pessoais.
Pastores vivem uma fé encarnada, lobos vivem uma fé espiritualizada.
Pastores ajudam as ovelhas a se tornarem adultas, lobos perpetuam a infantilização das ovelhas.
Pastores lidam com a complexidade da vida sem respostas prontas, lobos lidam com técnicas pragmáticas com jargão religioso.
Pastores confessam seus pecados, lobos expõem o pecado dos outros.
Pastores pregam o Evangelho, lobos fazem propaganda do Evangelho.
Pastores são simples e comuns, lobos são vaidosos e especiais.
Pastores tem dons e talentos, lobos tem cargos e títulos.
Pastores são transparentes, lobos têm agendas secretas.
Pastores dirigem igrejas-comunidades, lobos dirigem igrejas-empresas.
Pastores pastoreiam as ovelhas, lobos seduzem as ovelhas.
Pastores trabalham em equipe, lobos são prima-donas.
Pastores ajudam as ovelhas a seguir livremente a Cristo, lobos geram ovelhas dependentes e seguidoras deles.
Pastores constroem vínculos de interdependência, lobos aprisionam em vínculos de co-dependência.


Os lobos estão entre nós e é oportuno lembrar-nos do aviso de Jesus Cristo: “Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós disfarçados em ovelhas, mas interiormente são devoradores" (Mateus 7:15).


Fonte: Revista Enfoque Gospel, edição 54

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Observações sobre o dízimo


A passagem bíblica sobre o dízimo é encontrada em Levítico 27:30-33, que apresenta:

Também todas as dízimas do campo, da semente do campo, do fruto das árvores são do SENHOR; santas são ao SENHOR. Porém, se alguém das suas dízimas resgatar alguma coisa, acrescentará o seu quinto sobre ela. No tocante a todas as dízimas de vacas e ovelhas, de tudo o que passar debaixo da vara, to dízimo será santo ao SENHOR. Não esquadrinhará entre o bom e o mau, unem o trocará; mas, se em alguma maneira o trocar, o tal e o trocado serão santos; não serão resgatados.”

Outras passagens também oferecem explicações detalhadas. Números 18:21-32 dá a instrução de que o dízimo seja usado para sustentar os levitas, a tribo separada para servir a Deus. Consequentemente, ele não foi dado em sua própria província quando Canaã foi conquistada por Josué. Deuteronômio 12:5-14 e 14:22-26 ensinam que os dízimos deviam ser trazidos ao santuário central, que foi mais tarde estabelecido em Jerusalém. Deuteronômio 14:27-30 e 26:12-15 apresentam outro dízimo, que devia ser coletado a cada três anos. Este dízimo devia ser guardado localmente e distribuído aos necessitados. Embora alguns vejam três dízimos no Antigo Testamento, parece mais provável que fossem dois: os dez por cento anuais, separados para aqueles que serviam ao Senhor, e o dízimo de cada três anos, destinado ao auxílio de viúvas, órfãos e estrangeiros desamparados.

O dízimo era aplicável a tudo aquilo que a terra produzia, e não à renda originida do comércio. Na opinião de alguns, o dízimo era um aluguel que Deus cobrava do povo de Israel a quem Ele concedia o privilégio de viver ali (Dt 1.8; 3.2). O dízimo também tinha o intuito de ser uma oportunidade para se expressar a fé. Deus prometera abençoar o trabalho de seu povo (Dt 14.29). Aqueles que confiavam nele separavam seus dízimos alegremente, certos de que Ele satisfaria suas necessidades através de abundantes colheitas futuras (Ml 3.10).

Mas por que o Novo Testamento não menciona o dízimo dos cristãos? Para responder, precisamos nos lembrar de que o dízimo foi primeiramente imposto a Israel, uma comunidade de fé que também era uma nação. Israel tinha sua própria terra, e estruturas civis governadas pela lei de Moisés. O dízimo básico de Israel financiava o centro de adoração da nação, e uma classe especial, levítica e sacerdotal, dedicada ao serviço. Além disso, o dízimo servia como a parte de Deus na produção da terra que Ele permitia que Israel ocupasse.

Em contraste, a comunidade de fé do Novo Testamento existe como pequenas comunidades, dispersas em cada nação. Nossa comunidade de fé não tem um centro de adoração principal para financiar. Já não existe mais um sacerdócio à moda do Antigo Testamento, mas cada crente agora é visto como um sacerdote. No Novo Testamento, Paulo argumenta a favor do direito que os obreiros cristãos de tempo integral têm, de serem mantidos por aqueles a quem ministram. Assim, há diferença no motivo e na maneira como estas contribuições serão usadas nos dois Testamentos. Há também um paralelo entre aquela preocupação pelos pobres expressa no dízimo de cada três anos de Israel, e na coleta de Paulo pelos pobres de Jerusalém (2 Corintios 8 e 9).

Podemos justificar a importação do dízimo para nossa era. As raízes daquele costume eram parte da vida de Israel sob a Lei, tanto quanto qualquer sacrifício ritual.

Quanto aos ensinos do Novo Testamento, quando se trata de ofertas, e não de dízimos, cada um deve dar não uma quantia estabelecida, mas que “cada um contribua segundo propôs no seu coração, não com tristeza ou por necesssidade; porque Deus ama ao que dá com alegria” (2Co 9.7). Como expressão do amor e da confiança que Deus surprirá cada uma de nossas necessidades, a caridade cristã é verdadeiramente algo gracioso. É nossa resposta de amor à maravilhosa dádiva de amor que recebemos de Deus, e nossa resposta de amor aos nossos irmãos e irmãs que estejam passando por necessidades.


* extraído do comentário do texto de 2 Coríntios 8 e 9 - Os princípios da caridade no Novo Testamento


RICHARDS, Lawrence O. Comentário Histórico-Cultural do Novo Testamento. Rio de Janeiro, CPAD. 2008, 3ª ed.

sábado, 4 de janeiro de 2014

A arte de dizer as coisas

"A vossa palavra seja sempre agradável, temperada com sal,  para que saibais como vos convém responder a cada um" (Colossenses 4:6)




O sultão e os dentes



Certa vez um sultão sonhou que havia perdido todos os dentes. Ele acordou assustado e mandou chamar um sábio para que interpretasse seu sonho.

- Que desgraça, senhor! – exclamou o sábio. Cada dente caído representa a perda de um parente de vossa majestade!

- Mas que insolente! – gritou o sultão, ameaçando o sábio. Como se atreve a dizer tal coisa?!

O sultão chamou os guardas e mandou que lhe dessem 100 chicotadas. Ordenou, em seguida, que chamassem outro sábio, para interpretar o mesmo sonho. O outro sábio disse: 

- Senhor, uma grande felicidade vos está reservada!!! O sonho indica que irá viver mais que todos os vossos parentes!

A fisionomia do sultão iluminou-se e ele mandou dar 100 moedas de ouro ao sábio. Quando este saía do palácio, um cortesão lhe perguntou:

- Ó sábio, como é possível isso? A interpretação que você fez foi a mesma do seu colega e, no entanto, ele levou 100 chibatadas, e você, 100 moedas de ouro!

- Lembre-se sempre, amigo – respondeu o sábio -, que tudo depende da maneira de dizer as coisas. E que esse é um dos grandes desafios da Humanidade! É daí que vem a felicidade ou a desgraça; a paz ou a guerra.

A verdade sempre deve ser proclamada, não resta a menor dúvida, mas a maneira como é dita é que faz toda a diferença.