terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Coma, mas não se sacie (Mt 15:21-39)


A comida tem um papel importante nos dois incidentes relatados aqui. Uma cananeia implorou por migalhas da mesa do povo do concerto de Deus, e a sua forte fé foi recompensada. A sua filha foi curada “desde aquela hora”.

De volta à Galileia, Jesus encontrou grandes multidões, que ficaram maravilhada quando Ele curou, voluntariamente, seus coxos, cegos, paralíticos e mudos, Quando já tinham estado com Ele por três dias, sem nada para comer, Jesus realizou outro milagre. Ele multiplicou sete pães e uns poucos peixinhos, e alimentou quatro mil homens, “além de mulheres e crianças”.

E o texto diz: “todos comeram e se saciaram”. E a multidão se dispersou. Que contraste. A filha da mulher, curada “desde aquela hora”, teve a sua vida modificada para sempre. A multidão da Galileia, saciada com a refeição, partiu – todos eles – e depois de algumas horas, teriam fome outra vez. É maravilhoso que Cristo, com graça, satisfizesse a necessidade física momentânea da multidão. É magnífico que Ele saciasse a sua fome. Mas é trágico que eles, então, “se saciassem”.

Sim. Eu sei. Tudo o que o texto quer dizer é que comeram tudo quanto queriam; que sa saciaram. Ainda assim, isso me recorda que muitas pessoas ficam saciadas se suas necessidades materiais são satisfeitas. Se tiverem um lugar onde morar. Comida para comer. Um carro bonito. Dinheiro no banco. Como é trágico que tantos jamais possam sentir a necessidade que dominou a cananeia e a levou a Jesus. Porque em Jesus, e por meio da fé nele, sentimos uma transformação espiritual que tornará a vida completamente diferente, “desde aquela hora”.

Espere mais do seu relacionamento com Jesus do que a satisfação de suas necessidades materiais.

Fonte: RICHARDS, Lawrence O. Comentário devocional da Bíblia. Rio de Janeiro: CPAD, 2012, 1ª ed.


quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Justificação - a penalidade paga


[por John Stott]

A única forma de ser justificado do pecado é o salário do pecado ser pago, ou pelo pecador ou pelo substituto apontado por Deus. Não há forma de escapar, pois a penalidade tem de ser paga. Como um homem, condenado por um crime e sentenciado a um período de encarceramento, pode ser justificado? Apenas cumprindo a sentença de seu crime, na cadeia. Assim que ele pagar sua pena, poderá deixar a prisão como um homem justificado. Ele não precisará mais temer a polícia nem os magistrados, pois as exigências da lei foram satisfeitas. Ele foi justificado de seu pecado.

O mesmo princípio é válido se a penalidade for a morte. Não há forma de justificação, exceto o pagamento da penalidade. Você pode responder que, nesse caso, pagar a penalidade não é, de forma alguma, um meio de escape. E você estaria certo, se estivesse falando da pena de morte aqui na terra. Uma vez que um assassino é executado (em países em que a pena de morte ainda é aceita), sua vida na terra termina. Ele não pode viver novamente na terra como um homem justificado, da mesma forma que uma pessoa que cumpriu sua pena na prisão poderia. Mas a coisa maravilhosa sobre a justificação cristã é que nossa morte foi seguida pela ressurreição, na qual podemos viver a vida de uma pessoa justificada, por termos pagado a pena de morte (em Cristo e por meio dele) por nosso pecado.

Para nós, portanto, é assim. Merecíamos morrer por nossos pecados. E, de fato, morremos, embora não em nossa própria pessoa, mas na pessoa de Jesus Cristo, nosso substituto, que morreu em nosso lugar e com quem fomo unidos pela fé e pelo batismo. E, por meio dessa união com esse mesmo Cristo, ressuscitamos. Assim, a antiga vida de pecado termina, pois nós morremos para ele, e a nova vida dos pecadores justificados se inicia. Nossa morte e ressurreição com Cristo tornam o voltar atrás inconcebível para nós. É nesse sentido que nosso “eu” pecador foi despojado de poder, e fomos libertos.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

O voto de Jefté [parte II]

Visto ser um assunto que provoca muitas dúvidas e discussões, compartilho também um texto do Dr. Russell Champlin que traz outro ponto de vista sobre o tema.


Jefté era um homem intenso. Ele vivera temerariamente, matou a muitos e fez um famoso voto precipitado, que, mui estupidamente, foi cumprido. Como é óbvio, ele era homem de vontade férrea, embora ele se tivesse mostrado primitivo em sua fé religiosa. A sua tentativa de negociar com os amonitas mostra-nos que a violência não era o único aspecto de seu caráter. Soluções rápidas, por meios violentos, eram o costume da época, e Jefté foi apenas um produto de sua época.

O Problema do Voto. Os intérpretes têm transformado em campo de batalha essa questão do voto de Jefté. Jefté realmente cumpriu o seu horrendo voto? Alguns respondem na afirmativa; e outros, na negativa. Aqueles que respondem com um “não” inspiram-se na crença dogmática de que isso não pode ter acontecido em Israel, ou, então, temem que possam compreender que Deus realmente, aprovou e aceitou o fato.

a) Argumentos em Apoio que o Sacrifício foi Efetuado. Os textos bíblicos envolvidos deixam claro que Jefté fez o voto e o cumpriu. Além disso, porque as mulheres de Israel lamentariam pela filha de Jefté, se o voto não estivesse cumprido! Apesar dos sacrifícios humanos terem sido proibidos pela legislação mosaica (ver Dt 18:10; 12:30-31; Lv 18:21; 20:2; Sl 106:37-38; 7:31; Ez 16:20-21), não há razão alguma para supormos que essas leis foram observadas cem por cento. Além disso, temos o exemplo de Abraão, no caso de Isaque, que poderia ter servido de precedente para casos especiais, embora, via de regra, a legislação mosaica fosse obedecida. Sabemos, por meio da história, que continuaram em Israel os sacrifícios humanos, apesar das leis em contrário. Finalmente, os registros bíblicos mostram que o próprio Jefté foi um homem violento, que, durante anos, ganhou a vida atacando outras pessoas. Sua primitiva fé religiosa não o impediu, pois, de oferecer um sacrifício humano, e o seu passado violento levou-o a aceitar e praticar atos absurdos, como esse do sacrifício de sua própria filha única. Provavelmente, ele estava bem convencido de que Deus aprovava o seu voto, o que estaria evidenciado pelo fato de que derrotara completamente o inimigo. E, assim sendo, não temeu executar o seu voto, sacrificando a filha única. Sem dúvida, ele classificava isso como um ato especial, embora não aprovasse uma prática generalizada de sacrifícios humanos, de adultos ou de infantes.

b) Argumentos Contra a Realidade do Sacrifício. O principal desses argumentos estriba-se sobre a proibição mosaica, supondo que Jefté não teria ousado contradizê-la. Porém, o argumento da coerência na observação da lei mosaica não é muito forte. Além disso, alguns distorcem o próprio texto sobre o voto. O trecho de Juízes 11.31, então, é interpretado como se dissesse: “...quem primeiro da porta da minha casa me sair ao encontro, voltando eu vitorioso dos filhos de Amon, esse será do Senhor, ou (em vez de e) eu o oferecerei em holocausto”. Mediante essa sutil alteração imaginária, Jefté teria tido uma opção, indicando que a pessoa em foco poderia ser consagrada ao serviço do Senhor, e não como um holocausto que pusesse fim à sua vida terrena. É verdade que a palavra hebraica envolvida pode ser assim traduzida, mas o texto inteiro clama contra tal alteração na tradução. Além disso, o vers. 38, onde as mulheres de Israel aparecem a lamentar pela virgindade da filha de Jefté, é interpretado como se indicasse que elas lamentavam não por sua morte, mas pelo fato de que ela teria de permanecer como virgem, separada para o serviço do Senhor como tal. A condição normal das jovens, em Israel, era casarem-se e terem filhos; e, se não fosse esse o caso, então fazia-se lamentação pela donzela. Porém, a virgindade da filha de Jefté foi lamentada, não porque ela tivesse permanecido no celibato pelo resto da vida, e, sim, porque seria morta quando ainda virgem, pelo que não tivera tido oportunidade de ter filhos, o que era considerado uma desgraça em Israel. Outrossim, sendo ela morta, isso significaria que Jefté não teria quem lhe continuasse o nome, visto que ela era sua filha única. E isso também era considerado uma calamidade em Israel.

Comentário sobre o Voto de Jefté. Que o voto de Jefté foi cumprido, tenhamos a certeza. Isso é apenas uma evidência da natureza primitiva da fé de um homem violento. Não há razão para supormos que Deus tenha dado a Jefté a sua notável vitória porque ele fizera aquele voto, ou que, depois da vitória, houvesse qualquer necessidade de cumprir o voto. Jefté é que criara a situação toda. Deus não esteve envolvido em tão estúpido ato. As pessoas acusam Deus de toda espécie de coisas ridículas, e até mesmo injuriosas e prejudiciais, e inventam coisas estúpidas em suas mentes. O trecho de Juízes 11:29 mostra-nos que Deus usa as pessoas até mesmo quando elas pensam e agem de forma estúpida.


CHAMPLIN, Russell Norman. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. São Paulo: Hagnos, 2002, volume 3.


quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

O voto de Jefté


 “Jefté fez um voto ao Senhor” (Jz 11:29-40). Fazer uma promessa de realizar alguma coisa especial por Deus, se Ele possibilitasse a vitória, não era incomum em Israel. Jefté, que segundo o texto, estava cheio do Espírito do Senhor, fez esta promessa antes da sua guerra contra os amonitas. Como as casas israelitas desta época tinham espaço para animais, além de pessoas, Jefté, sem dúvida, tinha em mente o sacrifício de um animal quando fez este voto.


A história do voto de Jefté é uma das favoritas das pessoas que gostam de debates. Um grupo insiste que Jefté realmente matou sua filha, como um sacrifício de sangue. O outro grupo afirma que ele não fez isso. Como acontece frequentemente com passagens difíceis da Bíblia, o debate obscurece o restante da história - e o seu objetivo.

Mas Jefté realmente teria sacrificado a sua filha? De modo algum. A lei dos votos (Lv 27:1-8) permitia a substituição. O que Jefté fez foi prometer a sua filha ao celibato, enquanto ela vivesse, servindo no Tabernáculo, como em Êx 38:8; 1 Sm 2.22. Isso é sustentado pelo fato de que [1] o texto enfatiza a sua virgindade eterna, não a sua morte (Jz 11:37-29), [2] o sacrifício de filhos era condenado pela Lei (Lv 18:21; 20:2-5), [3] nenhum sacerdote oficiaria um sacrifício humano, [4] a carta de Jefté aos amonitas mostra que ele conhecia a lei, pois ela era a fonte da história que ele citou.

Mas, e o restante da história? Ele é contado, nas palavras simples da filha adolescente: “Pai meu, abriste tu a tua boca ao Senhor; faze de mim como saiu da tua boca”. Deus tinha sido fiel, ao dar a vitória a Israel. A pequena família de Jefté , e a sua única filha, deveriam ser igualmente fiéis a Ele, seja qual fosse o custo.


Fonte: RICHARDS, Lawrence O. Comentário devocional da Bíblia. Rio de Janeiro: CPAD, 2012, 1ª ed.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Vasos nas mãos do Oleiro



Mas quem é você, ó homem, para questionar a Deus? “Acaso aquilo que é formado pode dizer ao que o formou: ‘Por que me fizeste assim?’O oleiro não tem direito de fazer do mesmo barro um vaso para fins nobres e outro para uso desonroso? E se Deus, querendo mostrar a sua ira e tornar conhecido o seu poder, suportou com grande paciência os vasos de sua ira, preparados para a destruição? Que dizer, se ele fez isto para tornar conhecidas as riquezas de sua glória aos vasos de sua misericórdia, que preparou de antemão para glória, ou seja, a nós, a quem também chamou, não apenas dentre os judeus, mas também dentre os gentios? (Romanos 9:20-24, NVI)


Reprovando o opositor: Mas, ó homem” (v.20). Essa não é uma objeção adequada para ser feita pela criatura contra o seu criador, pelo homem contra Deus. A verdade, como está em Jesus, é que rebaixa o homem como se fosse nada, menos que nada, e enaltece a Deus como o soberano Senhor de tudo. Observe como ele fala do homem quando este argumenta com Deus, o seu Criador: “...quem és tu, tu que és tolo, tão frágil, com tão pouca visão, um juiz tão incompetente dos conselhos divinos? És tu capaz de sondar tal profundidade, discutir tal assunto, traçar o caminho de Deus no mar, sua trilha pelas grandes águas?” “...que a Deus replicas?” Convém nos submetermos a Ele, não replicá-lo; colocar-nos sob a sua mão, não enfrentá-lo, nem acusá-lo de tolice. Ho antapokrinomenoso que retruca. Deus é o nosso Senhor, e nós seus servos; não convém a servos retrucarem (Tt 2.9).

Atribuindo tudo à divina soberania. Somos a criatura e Ele é o criador; não nos convém desafiar ou considerar incorreta a sua sabedoria ao ordenar ou dispor de nós dessa forma ou daquela. A massa de matéria informe e grosseira não tem nenhum direito a essa forma ou àquela, mas é modelada segundo o prazer daquele que a forma. A soberania de Deus sobre nós é adequadamente ilustrada pelo poder que o oleiro tem sobre o barro (compare com Jr 18.6, onde, com uma comparação semelhante, Deus afirma o seu domínio sobre a nação dos judeus, quando Ele estava prestes a exaltar a sua justiça na destruição do povo através de Nabucodonosor).

(1) Ele nos dá a comparação (v.21). O oleiro, da mesma massa, pode fazer tanto um vaso de bom gosto, um vaso apropriado para usos dignos e honrosos, quanto um vaso desprezível, um vaso no qual não haja nenhum prazer; e aqui ele age arbitrariamente, já que poderia escolher até se faria mesmo um vaso de qualquer tipo, ou se deixaria a massa no buraco de onde foi tirada.

(2) A aplicação da comparação (vv.22-24). Deus formou dois tipos de vasos da grande massa da humanidade caída: 

[1] Vasos da ira – vasos enchidos de ira, como um vaso de vinho é um vaso cheio de vinho: “...cheios estão do furor do Senhor” (Is 51.20). Nesses, Deus está disposto a mostrar a sua ira, isto é, sua justiça punitiva e sua inimizade ao pecado. Isso deve ser mostrado a todo o mundo. Deus mostrará que odeia o pecado. Ele também fará conhecido o seu poder, to dunaton autou. É um poder de força e energia, um poder castigador, que opera e efetua a destruição daqueles que perecem; é uma destruição que procede da “...glória do seu poder” (2Ts 1.9). A condenação eterna dos pecadores será uma grande demonstração do poder de Deus, pois Ele mesmo agirá nela sem intermediários, sua ira consumindo, de certo modo, consciências culpadas, e seu braço estendido totalmente para destruir o bem-estar deles, e ainda, ao mesmo tempo, preservar maravilhosamente o ser das criaturas. Para isso, Deus os “...suportou com muita paciência...” - exercitou muita paciência em relação a eles, permitiu que enchessem a medida do pecado, que crescessem até que estivessem prontos para a ruína. E assim eles se tornassem preparados para a perdição, preparados por seu próprio pecado e seu auto-endurecimento. As corrupções e maldades reinantes da alma são sua preparação e disposição para o inferno: uma alma é feita assim um combustível, é preparada para as chamas do inferno. Quando Cristo disse aos judeus: “...enchei vós, pois, a medida de vossos pais, para que sobre vós caia todo o sangue justo” (Mt 23.32-35), Ele, por assim dizer, suportou-os, com muita paciência, para que eles pudessem, por sua própria obstinação e teimosia no pecado, preparar-se a si mesmos para a destruição. 

 [2] Vasos de misericórdia- enchidos de misericórdia. A felicidade concedida ao remanescente que foi salvo é o fruto, não de seus méritos, mas da misericórdia de Deus. A fonte de todo regozijo e glória do céu é aquela misericórdia de Deus que dura para sempre. Vasos de honra devem se reconhecer para sempre como vasos de misericórdia. Observe, em primeiro lugar, o que Ele planeja com eles: “...para que ninguém desse a conhecer as riquezas da sua glória...”, isto é, de sua bondade; pois a bondade de Deus é a sua maior glória, especialmente quando é comunicada com a maior soberania. “Rogo-te que me mostres a tua glória”, diz Moisés (Êx 33.18). “Eu farei passar toda a minha bondade diante de ti”, diz o Senhor Deus (v.19), e ela é concedida gratuitamente: “...terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia”. Deus faz a sua glória conhecida, essa sua bondade, na preservação e no suprimento de todas as criaturas: a terra está cheia da bondade, e o ano, coroado com ela; mas quando Ele demonstra as riquezas da sua bondade, riquezas insondáveis, Ele o faz em prol da salvação dos santos, que serão para sempre monumentos gloriosos da graça divina. Em segundo lugar, o que Ele faz por eles. Ele os preparou “...para glória...”. A santificação é a preparação da alma para a glória, fazendo-a adequada para participar da herança dos santos na luz. Essa é a obra de Deus. Podemos nos destruir rápido o suficiente, mas não podemos salvar a nós mesmos para o inferno, mas é Deus quem prepara os santos para o céu; e todos aqueles que Deus designa para o céu depois, Ele prepara neles a mesma coisa (2 Co 5.5). E vós quereis saber quem são esses vasos de misericórdia? Aqueles que Ele chamou (v.24); pois a quem Ele predestinou, aqueles também chamou com um chamado eficaz: e esses não apenas dentre os judeus, mas também dentre os gentios, pois o muro de separação sendo derrubado, o mundo tornou-se comum, e o favor de Deus não está (como tinha sido) reservado aos judeus, nem eles ficaram um degrau mais próximos da sua aceitação do que o resto do mundo. Agora, eles estão no mesmo nível que os gentios, e a questão não é mais se são a descendência de Abraão ou não, que não está nem aqui nem lá, mas se são ou não são chamados de acordo com o seu propósito.



HENRY, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento – Atos a Apocalipse. RJ: CPAD, 2008, 1ª edição, pgs. 367-368