sexta-feira, 21 de setembro de 2012

A benção de não possuir nada



"Bem-aventurado os pobres de espírito, porque deles
 é o reino dos céus" (Mateus 5:3)

Antes do Senhor Deus criar o homem sobre a face da terra, primeiramente preparou tudo para ele, criando inúmeras coisas úteis e agradáveis, para seu sustento e deleite. Foram feitas para serem utilizadas pelo homem, mas deviam sempre ser exteriores ao homem, e subservientes a ele. Isso porque, no mais recôndito do seu coração, havia um santuário que somente Deus era digno de ocupar. Dentro do homem achava-se Deus; e fora, milhares de dons que o Senhor derramara sobre ele, como chuva.

O pecado, entretanto, trouxe complicações, e transformou esses dons de Deus em potenciais de ruína para a alma.

Nossos “ais” tiveram começo quando o homem forçou Deus a sair de seu santuário central, e deu permissão “às coisas” de ali penetrar. Uma vez dentro do coração humano, “as coisas” passam a imperar. O homem, por natureza, não mais goza de paz em seu coração, pois Deus não se acha mais entronizado ali; pelo contrário, na obscuridade moral da alma humana, usurpadores teimosos e agressivos lutam entre si, procurando ocupar esse trono.

Não se trata de uma mera figura metafórica e sim de uma análise acurada de nosso verdadeiro problema espiritual. Dentro do homem há um coração empedernido cuja natureza e intento é sempre possuir, possuir. Ele ambiciona “as coisas”, com um desejo arraigado e feroz. Os pronomes “meu” e “minha” parecem perfeitamente inocentes quando impressos no papel, mas o seu emprego constante e universal é muito significativo. Expressam a natureza real do velho homem adâmico melhor do que mil volumes de teologia. São sintomas verbais de nossa alma enferma. As raízes do nosso coração penetram fundo nas coisas, e não ousamos arrancar nenhuma delas, com receio de morrer. As coisas se tornaram necessárias para nós, de um modo que jamais foi a intenção de Deus. Aqueles dons, portanto, tomaram um lugar que, de direito pertence a Deus, e todo o curso da natureza é transtornado para essa monstruosa substituição.

O Senhor Jesus referiu-se a essa tirania das coisas quando disse aos seus discípulos: “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me. Porquanto, quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, e quem perder a vida por minha causa, acha-la-á” (Mt 16:24,25).

Dividindo o assunto em duas partes, para que possamos entendê-lo melhor, parece que há no interior de cada um de nós um inimigo que toleramos, e que nos faz correr perigo. Jesus o denominou de “vida” e de “ego”, ou, conforme o designaríamos modernamente, de “egocentrismo”. Sua característica principal é o sentimento e o desejo de posse: as palavras “ganho” e “lucro” sugerem essa ideia. Permitir que esse inimigo viva em nós, leva-nos a perder tudo. Mas, repudiá-lo e desistir das coisas por amor a Cristo, não é perda, mas antes, uma preservação de tudo para a vida eterna. É bem possível que o Senhor, nesse trecho, também nos esteja dando uma indicação sobre a única maneira eficaz de destruir esse adversário: por meio da cruz. “Tome a sua cruz e siga-me”.

Em sua caminhada para um conhecimento mais profundo de Deus, o homem atravessa os vales solitários da pobreza de espírito e da renúncia a todas as coisas. Os que alcançaram a benção de possuir o Reino são aqueles que rejeitaram todas as coisas materiais, desarraigando do coração todo sentimento de posse. São os “humildes de espírito”. Atingiram um estado íntimo comparável à aparência exterior de um mendigo das ruas de Jerusalém; isso é o que realmente significa a palavra “pobre”, na afirmação feita por Jesus. Os pobres bem-aventurados são aqueles que já não são mais escravos das coisas, pois quebraram o jugo opressor; e o conseguiram, não lutando, mas entregando tudo ao Senhor. Embora libertos do sentimento de posse, contudo, possuem tudo: “Deles é o reino dos céus”.

Permita-me dizer-lhe que é necessário encarar seriamente todas essas verdades. Não podemos reputá-las como meros ensinamentos bíblicos que devem ser armazenados na mente, junto com tantos outros conceitos teóricos. Pelo contrário, essa verdade é um sinal orientador na estrada que leva aos pastos verdejantes, uma trilha nas encostas do monte de Deus. Não podemos evitá-la, se quisermos prosseguir nesse caminho de busca. É necessário que a subamos, escalando um degrau de cada vez. Se rejeitarmos um degrau que seja, ali mesmo faremos estacionar nosso progresso espiritual.

(Extraído de TOZER, A.W. À procura de Deus. Belo Horizonte: Betânia, 1985, 4.ed)

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