Mas quem é você, ó
homem, para questionar a Deus? “Acaso aquilo que é formado pode
dizer ao que o formou: ‘Por que me fizeste assim?’O oleiro não
tem direito de fazer do mesmo barro um vaso para fins nobres e outro
para uso desonroso? E se Deus, querendo mostrar a sua ira e tornar
conhecido o seu poder, suportou com grande paciência os vasos de sua
ira, preparados para a destruição? Que dizer, se ele fez isto
para tornar conhecidas as riquezas de sua glória aos vasos de sua
misericórdia, que preparou de antemão para glória, ou seja, a nós,
a quem também chamou, não apenas dentre os judeus, mas também
dentre os gentios? (Romanos 9:20-24, NVI)
Reprovando o opositor: “Mas, ó homem” (v.20). Essa
não é uma objeção adequada para ser feita pela criatura contra o
seu criador, pelo homem contra Deus. A verdade, como está em Jesus,
é que rebaixa o homem como se fosse nada, menos que nada, e enaltece
a Deus como o soberano Senhor de tudo. Observe como ele fala do homem
quando este argumenta com Deus, o seu Criador: “...quem és tu,
tu que és tolo, tão frágil, com tão pouca visão, um juiz tão
incompetente dos conselhos divinos? És tu capaz de sondar tal
profundidade, discutir tal assunto, traçar o caminho de Deus no mar,
sua trilha pelas grandes águas?” “...que a Deus replicas?”
Convém nos submetermos a Ele, não replicá-lo; colocar-nos sob a
sua mão, não enfrentá-lo, nem acusá-lo de tolice. Ho
antapokrinomenos – o que retruca. Deus é o nosso
Senhor, e nós seus servos; não convém a servos retrucarem (Tt
2.9).
Atribuindo tudo à divina soberania. Somos a criatura e Ele é
o criador; não nos convém desafiar ou considerar incorreta a sua
sabedoria ao ordenar ou dispor de nós dessa forma ou daquela. A
massa de matéria informe e grosseira não tem nenhum direito a essa
forma ou àquela, mas é modelada segundo o prazer daquele que a
forma. A soberania de Deus sobre nós é adequadamente ilustrada pelo
poder que o oleiro tem sobre o barro (compare com Jr 18.6, onde, com
uma comparação semelhante, Deus afirma o seu domínio sobre a nação
dos judeus, quando Ele estava prestes a exaltar a sua justiça na
destruição do povo através de Nabucodonosor).
(1) Ele nos dá a comparação (v.21). O oleiro, da mesma massa, pode
fazer tanto um vaso de bom gosto, um vaso apropriado para usos dignos
e honrosos, quanto um vaso desprezível, um vaso no qual não haja
nenhum prazer; e aqui ele age arbitrariamente, já que poderia
escolher até se faria mesmo um vaso de qualquer tipo, ou se deixaria
a massa no buraco de onde foi tirada.
(2) A aplicação da comparação (vv.22-24). Deus formou dois tipos
de vasos da grande massa da humanidade caída:
[1] Vasos da ira
– vasos enchidos de ira, como um vaso de vinho é um vaso cheio de
vinho: “...cheios estão do furor do Senhor” (Is 51.20).
Nesses, Deus está disposto a mostrar a sua ira, isto é, sua justiça
punitiva e sua inimizade ao pecado. Isso deve ser mostrado a todo o
mundo. Deus mostrará que odeia o pecado. Ele também fará conhecido
o seu poder, to dunaton autou. É um poder de força e
energia, um poder castigador, que opera e efetua a destruição
daqueles que perecem; é uma destruição que procede da “...glória
do seu poder” (2Ts 1.9). A condenação eterna dos pecadores
será uma grande demonstração do poder de Deus, pois Ele mesmo
agirá nela sem intermediários, sua ira consumindo, de certo modo,
consciências culpadas, e seu braço estendido totalmente para
destruir o bem-estar deles, e ainda, ao mesmo tempo, preservar
maravilhosamente o ser das criaturas. Para isso, Deus os “...suportou
com muita paciência...” - exercitou muita paciência em
relação a eles, permitiu que enchessem a medida do pecado, que
crescessem até que estivessem prontos para a ruína. E assim eles se
tornassem preparados para a perdição, preparados por seu
próprio pecado e seu auto-endurecimento. As corrupções e maldades
reinantes da alma são sua preparação e disposição para o
inferno: uma alma é feita assim um combustível, é preparada para as
chamas do inferno. Quando Cristo disse aos judeus: “...enchei
vós, pois, a medida de vossos pais, para que sobre vós caia todo o
sangue justo” (Mt 23.32-35), Ele, por assim dizer, suportou-os,
com muita paciência, para que eles pudessem, por sua própria
obstinação e teimosia no pecado, preparar-se a si mesmos para a
destruição.
[2] Vasos de misericórdia- enchidos de
misericórdia. A felicidade concedida ao remanescente que foi salvo
é o fruto, não de seus méritos, mas da misericórdia de Deus. A
fonte de todo regozijo e glória do céu é aquela misericórdia de
Deus que dura para sempre. Vasos de honra devem se reconhecer para
sempre como vasos de misericórdia. Observe, em primeiro lugar, o que
Ele planeja com eles: “...para que ninguém desse a conhecer as
riquezas da sua glória...”, isto é, de sua bondade; pois a
bondade de Deus é a sua maior glória, especialmente quando é
comunicada com a maior soberania. “Rogo-te que me mostres a tua
glória”, diz Moisés (Êx 33.18). “Eu farei passar toda a
minha bondade diante de ti”, diz o Senhor Deus (v.19), e ela é
concedida gratuitamente: “...terei misericórdia de quem eu
tiver misericórdia”. Deus faz a sua glória conhecida, essa sua
bondade, na preservação e no suprimento de todas as criaturas: a
terra está cheia da bondade, e o ano, coroado com ela; mas quando
Ele demonstra as riquezas da sua bondade, riquezas insondáveis, Ele
o faz em prol da salvação dos santos, que serão para sempre
monumentos gloriosos da graça divina. Em segundo lugar, o que Ele
faz por eles. Ele os preparou “...para glória...”. A
santificação é a preparação da alma para a glória, fazendo-a
adequada para participar da herança dos santos na luz. Essa é a
obra de Deus. Podemos nos destruir rápido o suficiente, mas não
podemos salvar a nós mesmos para o inferno, mas é Deus quem prepara
os santos para o céu; e todos aqueles que Deus designa para o céu
depois, Ele prepara neles a mesma coisa (2 Co 5.5). E vós quereis
saber quem são esses vasos de misericórdia? Aqueles que Ele
chamou (v.24); pois a quem Ele predestinou, aqueles também chamou
com um chamado eficaz: e esses não apenas dentre os judeus, mas
também dentre os gentios, pois o muro de separação sendo
derrubado, o mundo tornou-se comum, e o favor de Deus não está
(como tinha sido) reservado aos judeus, nem eles ficaram um degrau
mais próximos da sua aceitação do que o resto do mundo. Agora,
eles estão no mesmo nível que os gentios, e a questão não é mais
se são a descendência de Abraão ou não, que não está nem aqui
nem lá, mas se são ou não são chamados de acordo com o seu
propósito.
HENRY,
Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento – Atos a Apocalipse.
RJ: CPAD, 2008, 1ª edição, pgs.
367-368