Estudando a obra de Flávio Josefo, "História dos Hebreus", chamou-me a atenção este trecho, abaixo reproduzido, que relata um episódio envolvendo judeus e samaritanos, o qual pode nos esclarecer alguns motivos sobre a inimizade histórica entre os dois povos.
O rei Antíoco, recebido na cidade de Jerusalém, a destrói completamente, saqueia o Templo e constrói uma fortaleza. Abole o culto a Deus. Vários judeus abandonam a religião. Os samaritanos renunciam a sua nacionalidade e consagram o templo de Gerizim a Júpiter grego.
O temor de se meter numa guerra contra os romanos obrigou o rei Antíoco a abandonar a conquista do Egito. Ele veio então com o seu exército a Jerusalém, cento e quarenta e três anos depois que Seleuco e seus sucessores começaram a reinar na Síria. Sem dificuldade, tornou-se senhor dessa praça, porque os de seu partido abriram-lhe as portas, e mandou matar vários do partido contrário, apoderou-se de grande quantidade de dinheiro e voltou a Antioquia.
Dois anos depois, no vigésimo quinto dia do mês que os hebreus chamam quisleu, e os macedônios, apeleu, na centésima quinquagésima terceira Olimpíada, ele voltou a Jerusalém e não poupou nem mesmo os que o acolheram na esperança de que ele não faria nenhum ato de hostilidade. Sua insaciável avareza fez com que ele não temesse violar-lhes também a fé, despojando o Templo das muitas riquezas de que, sabia ele, estava cheio. Tomou os vasos consagrados a Deus, os candelabros de ouro, a mesa sobre a qual se punham os pães da proposição e os turíbulos. Levou até mesmo as tapeçarias de escarlate e de linho fino e pilhou tesouros que estavam escondidos havia muito tempo. Afinal, nada deixou lá. E, para cúmulo da maldade, proibiu aos judeus oferecer a Deus os sacrifícios ordinários, como a sua lei os obrigava.
Depois de saquear toda a cidade, mandou matar uma parte dos habitantes e levou dez mil escravos com suas mulheres e filhos. Mandou queimar os mais belos edifícios, destruiu as muralhas e construiu, na Cidade Baixa, uma fortaleza com grandes torres, as quais dominavam o Templo, e lá colocou uma guarnição de macedônios, entre os quais estavam vários judeus, tão maus e ímpios que não havia males que não infligissem aos habitantes. Mandou também construir um altar no Templo e ordenou que lá se sacrificassem porcos, o que é uma das coisa mais contrárias à nossa religião. Obrigou então os judeus a renunciar o culto ao verdadeiro Deus e a adorar os seus ídolos, e ordenou que se construíssem templos para eles em todas as cidades, determinando que não se passasse um dia sem que lá se imolassem porcos. Proibiu também aos judeus, sob graves penas, circuncidar os filhos, e nomeou fiscais para saber se eles estavam observando as suas determinações e as leis que ele impunha e obrigá-los a isso, caso recusassem obedecer.
A maior parte do povo obedeceu, voluntariamente ou por medo, mas essas ameaças não puderam impedir aos que possuíam virtude e generosidade de observar as leis de seus pais. O cruel príncipe os fazia morrer por meio de vários tormentos. Depois de os mandar retalhar a golpes de chicote, a sua horrível desumanidade não se contentava em fazê-los crucificar, mas, enquanto ainda respiravam, fazia enforcar e estrangular perto deles as suas mulheres e os filhos que haviam sido circuncidados. Mandava queimar todos os livros das Sagradas Escrituras e não poupava ninguém na casa em que os encontrava.
Os samaritanos, vendo os judeus afligidos por tantos males, evitavam dizer que tinham a mesma origem, que eram da mesma raça e que o seu templo em Gerizim era consagrado ao Deus Todo-poderoso. Diziam, ao contrário, que eram descendentes dos persas e dos medos e que tinham sido enviados a Samaria para lá morar; o que era verdade.
Eles enviaram deputados ao rei Antíoco e apresentaram-lhe a seguinte petição: "Petição que os sidônios, habitantes de Siquém, apresentam ao rei Antíoco, deus visível. Nossos antepassados, tendo sido amargurados por grandes e freqüentes pestes, haviam deliberado celebrar, por uma antiga superstição, uma festa à qual os judeus dão o nome de Sabat e construíram sobre o monte Gerizim um templo em honra a um Deus anônimo, onde imolavam vítimas. Agora que vossa majestade se julga obrigado a castigar os judeus como eles merecem, os que executam as vossas ordens querem nos tratar como a eles, porque pensam que temos a mesma origem. Mas é fácil verificar, pelos nossos arquivos, que somos sidônios. Assim, como não podemos duvidar, majestade, de vossa bondade e proteção, suplicamos que ordeneis a Apolônio, nosso governador, e a Nicanor, procurador-geral de vossa majestade, que não nos considerem mais culpados dos mesmos crimes que os judeus, cujos costumes e origem diferem inteiramente dos nossos. E, se julgarem bem e for do agrado de vossa majestade, seja o nosso templo, que até agora não teve o nome de Deus algum, chamado futuramente templo do Júpiter grego, a fim de que fiquemos em paz e, trabalhando sem temor, possamos pagar maiores tributos a vossa majestade".
Antíoco, depois de ler a petição, escreveu a Nicanor, nestes termos: "O rei Antíoco a Nicanor. Os sidônios que moram em Siquém nos apresentaram a petição anexa a esta carta. Aqueles que a trouxeram provaram suficientemente, a nós e ao nosso conselho, que eles não têm parte nos crimes e faltas dos judeus, antes desejam viver segundo os costumes gregos. Por isso nós os declaramos inocentes dessa acusação, concedemo-lhes o pedido que nos fizeram — dar ao seu templo o nome de Júpiter grego — e ordenamos o mesmo a Apolônio, seu governador. Dado no ano quarenta e seis e no décimo primeiro dia do mês de Hecatombeom".
Fonte: JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus. Rio de Janeiro: CPAD, 2001., 5ª ed., pgs. 286-287
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