Se
a educação cristã não se restringe
nem à Escola Dominical, nem às aulas tradicionais, se a educação
cristã é a formação do povo de Deus para a vida e a missão, se a
educação cristã é ferramenta do Espírito para a renovação da
igreja, podemos nos indagar em termos mais práticos e estruturais:
que alternativas concretas se apresentam para a nossa prática
educacional global, enquanto igrejas cristãs, no início deste novo
século e milênio?
Reinventando
a dimensão educacional do culto
Enquanto a ênfase na educação cristã regredia, crescia exponencialmente a valorização do culto e da música na igreja local. Na década de 1990, e nesses primeiros anos do século XXI, presenciamos grandes avanços na música e na liturgia das igrejas evangélicas, também acompanhados de limites e graves problemas.
Refletindo
de forma esquemática sobre os pontos positivos dessas mudanças,
talvez possamos destacar: o corpo dos cristãos passou a fazer parte
viva dos cultos - palmas, movimento, dança, coreografia se tornaram
comuns em muitas igrejas, ritmos, melodias, letras brasileiras foram
incorporados aos cultos, o ministério de adoração passou a ser
enfatizado, e muitos jovens se envolveram com a música e o louvor na
igreja; emoções que anteriormente tinham pouco lugar no culto
passaram a ocupar lugar central – alegria, exaltação,
autoafirmação.
Sem
desmerecer nenhum desses avanços, é preciso, porém, enumerar
alguns aspectos negativos adotados na prática litúrgica “típica”
em igrejas evangélicas: 1) a lógica
litúrgica
se tornou demasiado simples (ou, por que não dizer simplista?),
reduzindo-se os cultos a músicas em sequência e sermão; 2) há uma
ênfase demasiada sobre o desempenho musical, em detrimento da
maturidade espiritual e emocional dos grupos de louvor; 3) a escolha
de canções para o culto depende, em demasia, de critérios
mercadológicos e midiáticos – o CD que “vende mais”, a canção
que mais toca nas rádios, a cantora ou cantor “mais famoso”; 4)
o baixo nível de formação e reflexão teológica da maior parte
dos novos “levitas”
e dirigentes de louvor, acompanhado de relações conflitivas com
pastores e pastoras.
Em
um livro sobre educação cristã, você pode se perguntar, por que
tais considerações sobre culto e liturgia? Porque o culto é uma
das estruturas mais importantes da educação cristã na igreja
local? Não! Não se preocupe, não vou propor que os cultos voltem a
ser “chatos”, “antiquados”, seguindo as regras da liturgia
européia. O culto é, primariamente, encontro de adoração a Deus,
de celebração de seus atos em nosso favor e em favor do mundo por
ele criado, encontro de gratidão, testemunho e preparação para
voltar a viver, no tempo secular, a fé e a missão. E é exatamente
como culto
que ele desepenha papel fundamental na formação cristã integral.
Não precisamos transformar o culto em “aula” para que ele seja
educador. Entretanto, precisamos trabalhar para que se torne presente
a função educacional do culto, para que seu caráter pedagógico
seja valorizado. Senão, como haver uma educação transformadora na
igreja?
Algo
que tem sido bastante esquecido é que existe
uma lógica
litúrgica
que dá sentido ao culto.
Essa lógica deve ser fundamental para a sua estrutura. Ou seja: ao
preparar o culto, dê asas à criatividade, mas asas que nos levem ao
encontro do Senhor, e não às nuvens vazias. A lógica
litúrgica
se compõe de: entrada na presença de Deus (separando o tempo
“secular” do tempo “sagrado”), exaltação de Deus (que se
dispõe a nos receber em sua presença), confissão de pecado (pois
não se pode entrar na presença de Deus sem o reconhecimento de
nossa pecaminosidade), gratidão a Deus pelo seu perdão e sua ação
em nosso benefício (que pode incluir testemunho e até mesmo
batismo), reconhecimento da comunidade e da comunhão cristãs (com
ou sem a eucaristia), exposição da palavra de Deus (através de
sermão, ou não), compromisso com o Deus da palavra, envio da igreja
à missão no mundo. Essa
lógica é, em si, educadora.
Quando o culto se reduz apenas a uma sequência de cânticos e um
sermão, ensina muito pouco – e ensina mal: que a vida cristã é
apenas felicidade, busca de bênçãos e comunhão entre irmãos. Já
a lógica litúrgica ensina que a vida cristã nasce, cresce e se
concretiza em nossa submissão a Deus, em nossa vida entregue ao seu
Filho, em nossa dependência do Espírito. A forma do culto pode e
deve variar, com criatividade, mas precisa sempre ser fiel à lógica
litúrgica! Quando a abandonamos, o culto passa a impressão de
“liberdade no Espírito” mas, na prática, não passa de um
tradicionalismo repetitivo – pura celebração da mesmice.
Aliada
à lógica litúrgica praticada de forma contextual e criativa, o
culto precisa de conteúdo bíblico e teológico de qualidade. Hoje,
a “teologia” do povo de Deus é, primariamente, a teologia
cantada e não a ouvida e lida. Escolher cuidadosamente as músicas,
não em função de ritmo, mas em função da mensagem bíblica e
teológica que transmitem, é fundamental. Nesse sentido, precisamos
de uma revolução prática nas igrejas. Dirigentes de louvor,
musicistas, “levitas”, seja como for que chamemos as pessoas que
participam na elaboração e direção dos cultos, precisam conhecer
profundamente a Escritura e a teologia cristã – tanto quanto os
pastores e as pastoras! Entregar a escolha das músicas a serem
cantadas no culto a quem não conhece (ou conhece pouco, ou, pior,
conhece mal) a Bíblia e teologia provoca deseducação do povo de
Deus. Alguns critérios simples: as letras precisam falar muito mais
de Deus do que de “eu”, de “mim”, de “meu”... As letras
precisam valorizar os alvos da vida eclesial: discernimento, missão,
humanização, cidadania etc. As letras não podem ser
antropocêntricas nem cardiocêntricas (só voltadas para as
emoções). Que desafio! Há muito trabalho a ser feito nessa área.
Outro
aspecto indispensável é que o lamento
faça parte de nossos cultos. O lamento,
no sentido bíblico, é composto de súplica,
confissão
e intercessão.
Lamentar a Deus significa que reconhecemos nossa pecaminosidade,
compreendemos que ele responde à oração, percebemos nosso
compromisso missionário e oramos pelo mundo amado por Deus – e não
só por nós mesmos. O lamento
é o momento litúrgico do clamor: clamar a Deus por perdão e
crescimento espiritual, clamar a Deus por crescimento e
desenvolvimento da igreja, clamar a Deus pelo mundo sem Cristo. No
lamento, especialmente na intercessão, nós nos identificamos
solidária e compassivamente com a humanidade pecadora e reconhecemos
que nossa salvação nos coloca na condição de missionários e
embaixadores de Jesus Cristo no mundo. Releia e reflita
cuidadosamente sobre Colossenses 3.14-17 e o papel educacional do
culto.
Para
finalizar, um destaque: o culto deve sempre orientar o povo de Deus
para a ação missionária no mundo. O culto não pode ser
egocêntrico, egoísta, voltado para dentro de nós mesmos. Se for
assim, será doentio – acúmulo de bênçãos provoca doenças
espirituais terríveis. A bênção de Deus deve ser repartida, ou se
transformará em maldição.
(Trecho extraído de ZABATIERO, Júlio. Novos
caminhos para a educação cristã.
São Paulo : Hagnos, 2009)
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