*Por Philip
Doddridge*
PRIMEIRAMENTE
tenho de reconhecer que não há esforço humano, nem de pastores nem
de pais de família, que possa ser eficaz para levar uma alma ao
conhecimento salvador de Deus em Cristo sem a colaboração das
influências transformadoras do Espírito Santo. Não obstante, você
sabe muito bem, e espero que considere seriamente, que isto não
debilita a sua obrigação de usar com muita diligência os meios
corretos. O grande Deus tem declarado as regras de operação tanto
no mundo da graça quanto na natureza. Ainda que não se limite a
elas, seria arrogante da nossa parte e destrutivo esperar que Ele
delas se desvie a favor de nós ou dos nossos.
Vivemos
não só de pão, “mas também de toda palavra que sai da boca
de Deus” (Mt 4:4). Se o Senhor tiver determinado continuar sua
a vida ou a vida de seus filhos, sem dúvida, Ele alimentá-lo-á ou
o sustentará com os seus milagres. Não obstante, você crê-se
obrigado a cuidar com prudência do seu pão quotidiano. Concluiria
você, e com razão, que se você deixasse de alimentar o seu bebe,
seria culpado de homicídio diante de Deus e da sociedade; nem você
pode crer que pode dar a desculpa de que o encarregou ao milagroso
cuidado divino enquanto você o deixou desamparado sem
subministrar-lhe nada da ajuda humana. Tal pretexto só adicionaria
impiedade (*) à sua crueldade e serviria apenas para piorar o crime
que quis desculpar. Também seria absurdo que nos enganássemos com a
esperança de que os nossos filhos fossem ensinados por Deus, e
regenerados e santificados pelas influências da sua graça, se
descuidarmos o cuidado prudente e cristão da sua educação que
quero agora descrever e recomendar...
1. As
crianças devem, sem lugar a dúvidas, ser criadas no caminho da
piedade e da devoção a Deus. Isto, como você bem sabe, é a
soma e o fundamento de tudo o que é realmente bom. “O princípio
da sabedoria é o temor do SENHOR” (Sl 111:10). Portanto o
salmista convida os filhos a aproximar-se dele com a promessa de
instruí-los nela: “Vinde, meninos, ouvi-me; eu vos ensinarei o
temor do SENHOR” (Sl 34:11). E, algumas noções corretas do
Ser Supremo devem ser implantadas na mente dos filhos antes de que
possa haver um fundamento razoável para lhes ensinar as doutrinas
que se referem particularmente a Cristo como o Mediador. “Ora,
sem fé é impossível agradar-lhe, porque é necessário que aquele
que se aproxima de Deus creia que ele existe e que é galardoador dos
que o buscam.” (Hb 11:6).
A prova da
existência de Deus e alguns dos atributos da natureza divina que
mais nos preocupam dependem de princípios tão singelos que até as
mentes mais simples podem compreendê-los. O menino aprenderá
facilmente que como cada casa é construída por algum homem e que
não pode haver uma obra sem um autor, assim também Aquele que
construiu todas as coisas é Deus. Partindo da ideia óbvia de que
Deus é o Criador de tudo, podemos apresentá-lo, com naturalidade,
como extremamente grande e extremamente bom, a fim de que aprendam já
a reverenciá-lo e amá-lo.
É de
muita importância que as crianças sejam imbuídas(**) de um sentido
de admiração para com Deus e de uma veneração humilde ante as
suas perfeições e as suas glórias. Portanto, é necessário
apresentá-lo a eles como o grande Senhor de tudo. E, quando lhes
mencionamos outros agentes invisíveis, sejam anjos ou demônios,
devemos... sempre apresentá-los como seres inteiramente sob o
governo e controle de Deus...
Temos de
ser particularmente precavidos quando ensinamos a estes infantes a
pronunciar esse nome grande e terrível: O Senhor nosso Deus; que não
o tomem em vão, mas que o utilizem com a solenidade que lhe
corresponde, recordando que nós e eles não somos mais do que pó e
cinzas diante dele. Quando ouço os pequenos falar do Deus grande, do
Deus santo, do Deus glorioso, como às vezes acontece, causa-me
prazer. Considero isso como uma prova da grande sabedoria e piedade
daqueles que têm a seu cargo a sua educação.
Mas temos
de ter muito cuidado para não limitar as nossas palavras a esses
conceitos extraordinários, não seja que o temor a Deus os domine
tanto que as suas excelências os levem a ter medo de aproximarem-se
dele. Temos de descrevê-lo não só como o maior, mas também como o
melhor dos seres. Devemos ensiná-los a conhecê-lo pelo nome muito
consolador de: “"Senhor, Senhor, Deus compassivo e
misericordioso, paciente, cheio de amor e de fidelidade, que mantém
o Seu amor a milhares e perdoa a maldade, a rebelião e o pecado.”
(Ex 34:6-7 NIV).
Devemos
apresentá-lo como o Pai universal, bondoso, indulgente (***), que
ama as suas criaturas e por meios corretos lhes provê o necessário
para a sua felicidade. E devemos apresentar-lhes particularmente a
sua bondade para com eles: que com a sua ternura paternal os protegeu
nos seus berços, que com a sua compaixão escutou os seus débeis
prantos antes de que os seus pensamentos infantis pudessem dar forma
a uma oração. Temos de lhes dizer que vivem cada momento dependendo
de Deus e que todo o nosso carinho por eles não é mais do que o que
ele põe no nosso coração e que o nosso poder para os ajudar não é
mais do que o que ele coloca nas nossas mãos. Deveremos também
recordar-lhes solenemente que em pouco tempo os seus espíritos
retornarão para este Deus. Assim como agora o Senhor está sempre
com eles e sabe tudo o que eles fazem, dizem ou pensam, trará toda a
obra a juízo e os fará felizes ou infelizes para sempre, conforme
são, em geral, encontrados obedientes ou rebeldes. Devemos
apresentar-lhes também as descrições mais vívidas e emocionantes
que as Escrituras nos dão do Céu e do Inferno, animando-os a que
reflitam neles.
Quando
deita tal alicerce crendo na existência e na providência de Deus e
num estado futuro de recompensas assim como de castigos, deve ensinar
às crianças os deveres que elas têm para com Deus. Deve
ensinar-lhes particularmente a orar-lhe e a louvá-lo. O melhor de
tudo seria que, com um profundo sentido das perfeições de Deus e
das necessidades deles, eles pudessem derramar as suas almas diante
dele usando as suas próprias palavras, ainda que sejam débeis e
entrecortadas. Mas tem de reconhecer que até que se possa esperar
isto deles, é muito apropriado ensinar-lhes algumas formas de oração
e de ação de graças, que consistam de passagens singelas e claras
(das Escrituras) ou de outras expressões que lhes sejam familiares e
que se ajustam melhor às suas circunstâncias e à sua
compreensão...
2. Terá
de criar aos filhos no caminho da fé no Senhor Jesus Cristo.
Vocês sabem, meus amigos, e espero que muitos de vocês saibam pela
experiência quotidiana do gozo em vossas almas, que Cristo é “o
caminho, a verdade, e a vida” (Jo 14:6). É por Ele que podemos
aproximar-nos de Deus confiadamente, que de outro modo é “um
fogo consumidor” (Hb 12:29). Portanto, é de suma importância
guiar as crianças o mais breve possível para o conhecimento de
Cristo, que é sem dúvida, uma parte considerável da “disciplina
e admoestação” do Senhor que o Apóstolo recomenda e que
possivelmente foi o que ele tentou dizer com essas palavras (Ef 6:4).
Portanto,
temos de ensinar-lhes o quanto antes possível que os primeiros pais
da raça humana se rebelaram contra Deus e se submeteram a si mesmos
e aos seus descendentes à ira e maldição divina (Gn 1 a 3). Deve
explicar as terríveis consequências disto, e esforçar-se por
convencê-los de que eles se fazem responsáveis por desagradar a
Deus —coisa terrível!— pelas suas próprias culpas. Deste modo,
por meio do conhecimento da Lei, abrimos o caminho ao Evangelho, às
novas gozosas da libertação por meio de Cristo.
Ao ir
apresentando isto, temos de ter o supremo cuidado de não lhes encher
a mente com uma antipatia para com uma pessoa sagrada enquanto
tratamos de atrai-los para outra. O Pai não deve ser apresentado
como severo e quase implacável, convencido quase por força, pela
intercessão de seu Filho compassivo, a ser misericordioso e
perdoador. Ao contrário, temos de falar dele como a fonte cheia de
bondade, que teve compaixão de nós no nosso sofrimento impotente,
cujo braço todo-poderoso se estendeu para nos salvar, cujos
conselhos eternos de sabedoria e amor deram forma a esse importante
plano ao qual devemos toda a nossa esperança. Mostre-lhes que esta é
a doutrina bíblica. Devemos ensiná-la às nossas crianças numa
idade temporã, e ensinar o que era esse plano, na medida em que
sejam capazes de recebê-lo e nós capazes de explicá-lo. Devemos
dizer-lhes repetidamente que Deus é tão santo, tão generoso que,
em lugar de destruir com uma mão ou com a outra deixar sem castigo o
pecado, fez com que seu próprio Filho fosse um sacrifício por eles,
fazendo com que ele se humilhasse a fim de que nós pudéssemos ser
exaltados, que ele morreu a fim de que nós pudéssemos viver.
Também
temos de lhes apresentar —com santa admiração e gozo!—com
quanta disposição consentiu o Senhor Jesus Cristo em procurar a
nossa libertação de um modo tão caro. Com quanta alegria disse:
“Eis aqui venho, para fazer, ó Deus, a tua vontade.” (Hb
10:7, 9 ARC1995)! Para mostrar o valor deste assombroso amor, devemos
esforçar-nos, segundo a nossa débil capacidade, por ensinar-lhes
quem é este Redentor compassivo, apresentar-lhes algo da sua glória
como Filho eterno de Deus e o grande Senhor de anjos e homens. Temos
de os instruir da sua assombrosa condescendência ao deixar aquela
glória para ser um menino pequeno, débil e indefeso, e logo um
homem aflito e de dores. Temos de guiá-los ao conhecimento dessas
circunstâncias na história de Jesus que tenham o impacto maior
sobre a sua mente e para lhes inculcar desde pequenos, um sentido de
gratidão e amor por Ele. Temos de lhes contar quão pobre ele se fez
a fim de nos enriquecer a nós, com quanta diligência andou fazendo
o bem e com quanta disposição pregava o Evangelho aos mais
humildes. Devemos contar-lhes especialmente quão bom era com as
crianças e como mostrou o seu desagrado aos seus discípulos quando
eles tentaram impedir que as crianças se aproximassem dele. A Bíblia
diz expressamente que Jesus estava muito aborrecido e que disse:
“Deixai vir a mim os pequeninos e não os impeçais, porque dos
tais é o Reino de Deus” (Lc 18:16 ARC1995) — um momento
tenro que possivelmente ficou registado, pelo menos em parte, por
esta razão: para que as crianças de épocas vindouras o conhecessem
e se vissem afetados por ele.
Por meio
destas cenas da vida de Jesus, temos de guiá-los a conhecer a sua
morte. Temos de lhes mostrar com quanta facilidade teria ele podido
livrar-se dessa morte —do que deu clara evidência de que teria
podido aniquilar com uma palavra aos que chegaram para capturá-lo
(Jo 18:6)— mas com quanta paciência se submeteu às feridas mais
cruéis: ser açoitado e deixar que lhe cuspissem, ser coroado de
espinhos e de carregar a sua cruz. Temos de lhes mostrar como esta
pessoa divina inocente e santa foi levada como um cordeiro o
matadouro; e, enquanto os soldados cravavam com pregos, em lugar de
carregá-los de maldições, orou por eles dizendo: “Pai,
perdoa-os, porque não sabem o que fazem” (Lc 23:34). E quando
os seus pequenos corações se tenham maravilhado e derretido ante
uma história tão estranha, temos de contar-lhes como ele sofreu,
sangrou e morreu por nós, recordando-lhes com frequência como eles
estão incluídos nesses sucessos.
Temos de
guiar os seus pensamentos a fim de que vejam a glória da
ressurreição e ascensão de Cristo, e contar-lhes com quanta
bondade ainda recorda ele o seu povo na sua exaltação, defendendo a
causa das criaturas pecadoras, e utilizando o seu interesse no
tribunal do Céu para procurar a vida e a glória para todos os que
creem nele e o amam.
Havemos
logo depois de continuar a instruí-los nos pormenores da obediência
pela qual a sinceridade da nossa fé e do nosso amor receberá
aprovação. Temos de recordar-lhes constantemente a sua própria
debilidade e de lhes contar como Deus nos ajuda enviando o seu
Espírito Santo a morar em nosso coração para nos fazer aptos para
toda a palavra e obra boa.
É uma
lição importante sem a qual a nossa instrução será em vão e o
que eles ouçam será igualmente em vão!
(*)
impiedade – falta de reverência para com Deus.
(**)
imbuídos – receber na mente e reter.
(***)
O autor não quer dizer uma indulgência pecaminosa como se menciona
noutros artigos, mas “pronto para mostrar favor”.
Philip Doddridge (1702-1751), pastor congregacional, foi educador, escritor e hinógrafo. Seus hinos eram escritos principalmente como resumo de seus sermões. Suas composições revelam um grande zelo missionário.