Pesquisas mostram que leitura bíblica frequente tende a mudar até mesmo opiniões mais conservadoras.
Todo
cristão sabe: ler a Bíblia e meditar nas Escrituras Sagradas é
prática recomendável é necessária para uma vida espiritual
saudável. Estudos e mais estudos são feitos para descobrir a
quantidade de tempo que as pessoas dedicam à leitura bíblica, a
credibilidade que dão aos relatos da Palavra de Deus e no quê esta
disciplina espiritual influencia sua fé. O que nem sempre se leva em
conta são os efeitos disso sobre outras áreas da vida humana, como
posição política, comportamento social e opinião diante de temas
considerados polêmicos. Pois levantamentos recente descobriram que o
contato frequente com as Escrituras pode mudar até mesmo opiniões
culturalmente arraigadas. Por mais paradoxal que seja, uma leitura
constante e metódica da Bíblia pode até mesmo tornar a pessoa mais
liberal.
Sabe-se
que 89% dos lares nos Estados Unidos possuem ao menos um exemplar das
Sagradas Escrituras cristãs (ainda não há pesquisa similar no
Brasil). Mas ter o Livro Sagrado em casa não significa o mesmo que
lê-lo com frequência – e os resultados de pesquisas a respeito
dos hábitos de leitura bíblica podem ser surpreendentes. Diversos
estudos realizados com o fim de examinar a influência da Bíblia têm
mostrado a questão apenas do ponto de vista de sua inspiração e
dos métodos interpretação. O Instituto Gallup, por exemplo, há
quatro décadas, pergunta aos americanos em que medida o conteúdo
bíblico deve ser interpretado de forma literal. Comparativamente,
muito pouco tem sido pesquisado sobre o que acontece quando alguém
lê a Bíblia, de fato – especialmente, quando isso é feito de
forma independente e fora do ambiente de culto.
É
de se supor que essas questões sejam redundantes, ou seja, que
pesquisas do gênero sejam apenas meras formas de medir a
religiosidade das pessoas, de dimensionar a frequência com que vão
à igreja, se interpretam a Bíblia literalmente ou não, e ainda
quanto tempo costumam gastar em oração. Quando esses indicadores
são analisados, normalmente, encontra-se uma correlação direta com
o conservadorismo moral e político. Isso é uma tendência, mas está
longe de ser a regra. Acontece que ler a Bíblia a sós faz diferença
também. E o mais interessante é que essa diferença pode ser o
oposto do esperado.
A
leitura frequente das Escrituras tem alguns efeitos previsíveis,
como por exemplo, aumentar a oposição do crente ao pecado em geral
e a algumas questões em particular, como a condenação ao aborto ou
à prática homossexual. Leitores costumeiros do livro também
acreditam que a ciência ajude, de alguma forma, a revelar a glória
de Deus, mas não têm muitas esperanças de que os cientistas, algum
dia, serão capazes de resolver os problemas da humanidade. Mas, em
contrapartida, o contato frequente com a Bíblia faz com que o leitor
se torne mais propenso a concordar com os liberais em alguns
assuntos. Isso acontece mesmo quando se leva em conta as convicções
políticas, o nível educacional, a renda, o gênero, a raça e
outros critérios, como a filiação religiosa e o ponto de vista
pessoal sobre o literalismo bíblico.
TERRORISMO,
JUSTIÇA E CIÊNCIA
Em
2007, a Baylor
Religion Survey (“Pesquisa
Baylor sobre religião”) perguntou aos norte-americanos com que
frequência eles liam a Bíblia sozinhos. Os respondentes tinham que
escolher entre cinco respostas padrão, que iam de “nunca” a
“várias vezes por semana”. A pesquisa também investigou o
posicionamento político dos entrevistados e descobriu coisas
interessantes. Na ocasião, as pessoas foram questionados, por
exemplo, se o governo de seu país deveria ter poderes ampliados para
lutar contra o terrorismo – uma referência ao Ato Patriótico (lei
criada após os atentados de 11 de setembro de 2001, a qual dá ao
Estado o direito de espionar e interrogar possíveis suspeitos de
terrorismo). Segundo a pesquisa, quanto maior a frequência da
leitura bíblica, menor o apoio dos entrevistados ao Ato Patriótico.
A
leitura frequente da Bíblia também influencia a visão sobre a
Justiça. Como era de se esperar, os respondentes mais liberais
tenderam a discordar da frase: “Os criminosos deveriam ser punidos
com mais severidade”. No entanto, os leitores mais frequentes da
Bíblia também o fizeram. O contato com a mensagem bíblica,
igualmente, afeta o apoio dos leitores à pena de morte. De acordo
com a pesquisa, quanto maior a frequência de leitura das Escrituras,
maior o apoio dos respondentes ao fim da pena capital. Ler a Bíblia
também mexe com as atitudes do leitor em relação à ciência.
Quando as pessoas são questionadas sobre o literalismo bíblico, não
são encontradas diferenças estatísticas significativas quanto ao
fato de ciência e religião serem compatíveis entre si – no
entanto, quanto mais uma pessoa lê a Palavra de Deus, mais ela tende
a acreditar que as duas esferas, consideradas tão antagônicas ao
longo dos séculos, são, sim, compatíveis.
Outro
achado interessante dos estudos refere-se a atitudes morais. A
pesquisa perguntou se, para se tornar uma pessoa melhor, quão
importante é buscar, ativamente, a justiça econômica e social.
Novamente, como seria de se esperar, aqueles com tendências
políticas liberais se mostraram mais propensos a dizer que isso é
importante de alguma forma. Mas aqueles que leem a Bíblia com mais
frequência também concordaram. De fato, eles foram quase 35% mais
propensos a responder “sim” a tal pergunta.
Da
mesma forma, ao contrário do estereótipo da mídia liberal, aqueles
que são mais comprometidos com a fé – por lerem as Escrituras
mais direta e frequentemente, por exemplo – são os que dão maior
apoio à justiça social e econômica. Na verdade, leitores
literalistas e politicamente conservadores são quase tão propensos
a abraçar as causas sociais quanto aqueles que se classificam como
politicamente liberais e críticos do literalismo. Na mesma linha, a
pesquisa também perguntou se alguém deve reduzir o consumo como
forma de se tornar uma pessoa melhor. Tanto os politicamente liberais
quanto os leitores mais frequentes da Bíblia se mostraram mais
propensos a dizer que sim.
Tome-se,
por exemplo, um evangélico que seja politicamente conservador, tenha
cursado o ensino superior, possua uma renda razoável, creia
literalmente na mensagem da Bíblia, mas que não leia o livro
sagrado com tanta frequência. Essa pessoa terá apenas 22% de chance
de dizer que reduzir o consumo é um comportamento ético. Contudo, a
mesma pergunta dirigida a alguém com as mesmas características, mas
que leia a Bíblia frequentemente, terá chance 44% maior de ser
respondida da mesma maneira.
SIGNIFICADO
PESSOAL
A
discussão se torna ainda mais interessante quando se considera quem
é mais propenso a ler a Bíblia com frequência. Os evangélicos e
os que a interpretam literalmente são os mais conservadores nos
tópicos citados. Em outras palavras, aqueles que leem as Escrituras
com mais frequência são mais conservadores; entretanto, quanto mais
leem, mais tendem a mudar seus pontos de vista a respeito, pelo
menos, desses assuntos. Por que isso acontece? Uma explicação
possível é a seguinte: os leitores tendem a ter expectativas em
relação a um texto antes de iniciar sua leitura. Dada a
proeminência do texto bíblico entre os cristãos, é de se supor
que muitos pensem que já sabem tudo o que ali está escrito, mesmo
antes de começar a ler Gênesis 1. No entanto, uma vez que, de fato,
iniciem a leitura, serão surpreendidos por um novo conteúdo que
passará a estar integrado àquele que lhes era familiar. A verdade é
que as crenças mudam com as novas informações acrescentadas.
Mas
não será necessariamente o conteúdo novo a surpreender o leitor.
Basta apenas que esse conteúdo seja pessoalmente relevante para ele.
Leitores frequentes da Bíblia podem ter visões divergentes quanto à
sua autoridade, mas tendem a lê-la de maneira devocional, na
expectativa de que esta lhes fale algo diretamente. E eles a lerão
até se depararem com algo que realmente lhes chame a atenção.
Mesmo que o leitor não creia plenamente nas Sagradas Escrituras como
a infalível Palavra de Deus e que o texto bíblico careça de um
bocado de interpretação, esse momento pode ter um tremendo
significado pessoal.
Mas
a leitura bíblica não é encarada, necessariamente, como algo
subjetivo. Seus leitores também percebem as Escrituras como sendo a
Palavra de Deus, ainda que escrita por autores que tinham contextos e
intenções específicas, e desejam se tornar cada vez mais
semelhantes ao que ali está escrito. Afinal, para que serviria ler a
Bíblia quando não se tem qualquer desejo de abraçar o que ela
ensina? Em outras palavras, ler o texto bíblico pode, por vezes,
mudar as visões e atitudes dos leitores, os quais acabam sendo
supreendidos pelo que ali está escrito.
Aaron
B. Franzen
é graduando do Departamento de Sociologia da Universidade Baylor, nos
EUA
Fonte:
cristianismo hoje, 13/01/2012