O texto a seguir, extraído do Comentário Bíblico de Warren Wiersbe, é um excelente referencial para se trabalhar como introdução ao Evangelho de Mateus. Vale a pena lê-lo e arquivá-lo.
Boas Novas!
Boas Novas!
Cerca de
vinte a trinta anos depois de Jesus ter voltado para o céu, um
discípulo judeu chamado Mateus foi inspirado pelo Espírito Santo a
escrever um livro. Disso resultou o que conhecemos hoje o “Evangelho
segundo Mateus”.
Nenhum
dos quatro evangelhos registra qualquer palavra proferida por Mateus.
Ainda assim, em sue evangelho, ele nos apresenta as palavras e os
atos de Jesus Cristo, o “filho de Davi, filho de Abraão”
(Mt 1:1). Apesar de Mateus não ter escrito para falar de si mesmo,
convém nos familiarizarmos com o apóstolo e com o livro que
escreveu. Assim, poderemos descobrir tudo o que ele desejava que
soubéssemos sobre Jesus Cristo.
O
Espírito Santo usou Mateus para realizar três tarefas importantes
ao escrever este Evangelho.
1. O
Construtor de Pontes: apresentou um novo livro
Esse novo
livro é o Novo Testamento. Se um leitor da Bíblia pulasse de
Malaquias para Marcos, Atos ou Romanos, ficaria totalmente confuso. O
Evangelho de Mateus é a ponte de transição entre o Antigo
Testamento e o Novo Testamento.
O tema do
Antigo Testamento é apresentado em Gênesis 5:1: “Este é o
livro da genealogia de Adão”. O Antigo Testamento mostra a
história, extremamente triste, da família de Adão. Deus criou o
homem à sua imagem, mas o homem pecou e, desse modo, distorceu sua
imagem original. Depois disso, o homem gerou filhos “à sua
semelhança, conforme à sua imagem” (Gn 5.3), e estes se
mostraram tão pecadores quanto seus pais. Não importa como lemos o
Antigo Testamento, sempre encontramos pecados e pecadores.
O Novo
Testamento, porém, é o “Livro da genealogia de Jesus Cristo”
(Mt 1:1). Jesus é o último Adão (1Co 15.45), e Ele veio ao mundo
para salvar as “gerações de Adão” (da qual, a propósito,
fazemos parte). Apesar de não ser uma escolha nossa, nascemos na
geração de Adão, e isso nos torna pecadores. Mas, por uma escolha
de fé, podemos nascer na geração de Jesus Cristo e nos tornar
filhos de Deus!
Quando
lemos a genealogia em Gênesis 5, a repetição da expressão “e
ele morreu” soa como badalar fúnebre de um sino. O Antigo
Testamento mostra que “o salário do pecado é a morte”
(Rm 6.23). Mas quando passamos para o Novo Testamento, a sua primeira
genealogia enfatiza o nascimento, não a morte! A mensagem do Novo
Testamento diz que “o dom gratuito de Deus é a vida eterna em
Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 6.23).
O Antigo
Testamento é um livro de promessas; o Novo Testamento, por sua vez,
é um livro de cumprimento (por certo, há inúmeras promessas
preciosas no Novo Testamento, mas me refiro, aqui, à ênfase
principal de cada parte da Bíblia). Deus prometeu um Redentor em
Gênesis 3:15, e Jesus Cristo cumpriu essa promessa. Cumprir é
uma das palavras-chaves do Evangelho de Mateus, usada cerca de vinte
vezes.
Um dos
propósitos deste Evangelho é mostrar que Jesus Cristo cumpriu as
promessas do Antigo Testamento a respeito do Messias. Seu nascimento
em Belém cumpriu Isaías 7.14 (Mt 1:22,23). Foi levado ao Egito,
onde ficaria mais seguro e, desse modo, cumpriu Oseias 11:1 (Mt
2:14,15). Quando José e sua família decidiram se estabelecer em
Nazaré, cumpriram várias profecias do Antigo Testamento (Mt
2:22,23). Em seu Evangelho, Mateus apresenta pelo menos 129 citações
ou alusões ao Antigo Testamento. Escreveu principalmente a leitores
judeus para mostrar-lhes que Jesus Cristo era, de fato, o Messias
prometido.
2. O
Biógrafo: apresentou um novo Rei
A julgar
pela definição moderna, nenhum dos quatro Evangelhos pode ser
considerado uma biografia. Aliás, o apóstolo João duvidou que
fosse possível escrever uma biografia completa de Jesus (Jo 21:25).
Os Evangelhos deixam de foram uma série de detalhes sobre a vida de
Jesus aqui na terra.
Cada um
dos quatro Evangelhos tem uma ênfase particular. O Evangelho de
Mateus é chamado “o Evangelho do Rei” e foi escrito
principalmente para os leitores judeus. O Livro de Marcos, “o
Evangelho do Servo”, foi escrito para instruir os leitores
romanos. Lucas escreveu principalmente para os gregos e apresentou
Cristo como o “perfeito Filho do homem”. João é de
interesse universal, e sua mensagem é “Este é o Filho de
Deus”. Nenhum dos Evangelhos é suficiente para contar toda a
história da forma que Deus quer que a vejamos. Porém, quando
juntamos os quatro relatos, vemos uma imagem mais complexa da Pessoa
e obra de nosso Senhor.
Uma vez
que estava acostumado a manter registros sistemáticos, Mateus
apresenta um relato extremamente organizado da vida e ministério de
nosso Senhor. O livro pode ser dividido em dez seções, que alternam
o “fazer” e o “ensinar”. Cada seção de ensinamentos termina
com a frase: “Quando Jesus terminou estas palavras” ou uma
declaração semelhante de transição. Os capítulos podem ser
divididos da seguinte maneira:
- NarrativaEnsinamentosTransição1-45 - 77:288:1 – 9:349:35 – 10:4211:111:2 – 12:5013:1-5213:5313:53 – 17:2718:1-3519:119:1 – 23:3924:1 – 25:4626:126:1 – 28:20 (a narrativada Paixão)
Mateus
descreve Jesus como um Homem de ação e um Mestre, registrando pelo
menos vinte milagres específicos e seus mensagens principais: o
Sermão do Monte (caps. 5-7), a comissão dos apóstolos (cap. 10),
as parábolas do reino (cap. 13), as lições sobre o perdão (cap.
18), as acusações contra os fariseus (cap. 23), o discurso
profético no monte das Oliveiras (cap. 24-25). Pelo menos 60% do
livro é dedicado ais ensinamentos de Jesus.
É
importante lembrar que Mateus concentra-se no reino. No Antigo
Testamento, a nação de Israel era o reino de Deus na terra: “Vós
me sereis reino de sacerdotes e nação santa” (Ex 19:6).
Muitos, nos dias de Jesus, esperavam pelo libertador enviado por
Deus, que os libertaria da escravidão romana e restabeleceria o
reino glorioso de Israel.
A
mensagem do reino dos céus foi pregada inicialmente por João
Batista (Mt 3:1-2). Jesus também pregou esta mensagem no começo do
seu ministério (4:23) e enviou os doze apóstolos com a mesma
proclamação (Mt 10:1-7).
Porém,
as boas novas do reino exigiam do povo uma resposta moral e
espiritual, não apenas a aceitação de um conjunto de regras. João
Batista pedia arrependimento. Semelhantemente, Jesus deixou bem claro
que não tinha vindo para conquistar Roma, mas para transformar o
coração e a vida daqueles que cressem nele. Antes de entrar na
glória do reino, Jesus suportou o sofrimento da cruz.
Podemos
observar, ainda, que Mateus organizou seus textos de acordo com
tópicos, não em sequencia cronológica. Agrupou dez milagres nos
capítulos 8-9 em vez de colocá-los dentro de sua sequencia
histórica aos longo da narrativa do Evangelho. Sem dúvida, vários
outros acontecimentos foram totalmente omitidos. Ao considerar a
harmonia existente entre os Evangelhos, vemos que Mateus segue um
padrão próprio sem, no entanto, contradizer os outros evangelistas.
Além de
ser responsável pela tradição do Antigo para o Novo Testamento e
de apresentar a biografia de um novo Rei, Jesus Cristo, Mateus também
cumpriu um terceiro propósito ao escrever seu livro.
3. O
homem de fé: apresentou um novo povo
Esse novo
povo era, evidentemente, a Igreja. Mateus é o único escritor a usar
a palavra igreja em seu texto (Mt 16:18; 18:17). O termo grego
traduzido por “igreja” significa “uma assembleia chamada para
fora”. No Novo Testamento, esse termo refere-se, em geral, à
congregação local dos cristãos. No Antigo Testamento, Israel era
escolhido por Deus, começando com o chamado de Abraão (Gn 12:1ss;
Dt 7:6-8). Aliás, Estêvão chama a nação de Israel de “a
congregação [igreja] no deserto” (At 7:38), pois era o povo de
Deus chamado para fora.
Porém, a
Igreja do Novo Testamento é formada por um povo diferente, pois é
constituída tanto de judeus quanto de gentios. Nessa igreja, não há
qualquer distinção racial (Gl 3:28). Apesar de ter escrito
principalmente para judeus, ainda assim o Evangelho de Mateus possui
um elemento “universal” que inclui os gentios. Por exemplo,
líderes gentios vão adorar o menino Jesus (Mt 2:1-12). Jesus
realiza milagres para os gentios e até os elogia por sua fé (Mt
8:5-13; 15:21-18). A rainha de Sabá é louvada por se mostrar
disposta a fazer uma longa jornada a fim de ouvir a sabedoria de
Salomão (Mt 12:42). Num momento de crise em seu ministério, Jesus
fala de uma profecia sobre os gentios (Mt 12:14-21). Mesmo nas
parábolas, Jesus indica que as bençãos que Israel recusou seriam
compartilhadas com os gentios (Mt 22:8-10; 21:40-46). De acordo com o
discurso no monte das Oliveiras, a mensagem seria levada “a todas
as nações” (Mt 24:14), e a comissão do Senhor envolveria todas
as nações (Mt 28:19-20).
Na igreja
primitiva, havia apenas cristãos judeus e prosélitos (At 2-7).
Quando o evangelho chegou a Samaria (At 8), o povo mestiço de judeus
e gentios passou a fazer parte da igreja. Depois que Pedro foi à
casa de Cornélio (At 10), os gentios também começaram a participar
da Igreja. A assembleia de Jerusalém (At 15) determinou que os
gentios não precisavam tornar-se judeus antes de se tornar cristãos.
Mateus
apresenta toda esta questão de antemão, e quando seu livro foi lido
pelos membros judeus e gentios da Igreja primitiva, ajudou a resolver
diferenças e a promover a unidade. Mateus deixa claro que esse novo
povo, a Igreja, não deveria apoiar qualquer forma de exclusão
racial ou social. Pela fé em Jesus Cristo, os cristãos são “todos
um” no corpo de Cristo, a Igreja.
A própria
experiência de Mateus com o Senhor, relatada em Mateus 9:9-17, é um
belo exemplo da graça de Deus. Seu antigo nome era Levi, o filho de
Alfeu (Mc 2:14). “Mateus” significa “o dom de Deus”. Ao que
parece, esse nome foi dado para comemorar sua conversão e seu
chamado para ser discípulo.
É
importante lembrar que os coletores de impostos faziam parte de uma
das classes mais odiadas da sociedade judaica. Para começar, eram
traidores da própria nação, pois ganhavam o sustento “vendendo-se”
aos romanos ao trabalhar para o governo. Cada coletor adquiria de
Roma o direito de recolher impostos; quanto mais recolhia, mais
conseguia guardar para si. Os coletores eram considerados ladrões e
traidores, e seus contatos com os gentios também os colocavam à
margem da religião, a ponto de serem tidos como impuros. Jesus
refletiu a opinião popular acerca dos publicanos ao classificá-los
junto a prostituas e a outros pecadores (Mt 5.46, 47; 18:17), mas
deixou claro que era “amigo de publicanos e pecadores” (Mt
11:19; 21;31,32).
Mateus
abriu o seu coração para Jesus Cristo e se tornou uma nova pessoa.
Não foi uma decisão fácil para ele. Era de Cafarnaum, cidade que
havia rejeitado o Senhor (Mt 11:23). Também era um negociante
conhecido na cidade e, provavelmente, foi perseguido pelos amigos de
outros tempos. Sem dúvida, perdeu muito dinheiro quando deixou tudo
para seguir a Cristo.
Mateus
não apenas abriu seu coração, mas também sua casa. Sabia que
muitos de seus velhos amigos, senão todos, o abandonariam quando
começasse a seguir a Jesus Cristo. Por isso, aproveitou a situação
e os convidou para conhecer Jesus. Deu uma grande festa e convidou
todos os coletores de impostos (é possível que alguns deles fossem
gentios) e judeus que não guardavam a lei (“pecadores”).
Evidentemente,
os fariseus criticaram Jesus por assentar-se à mesma mesa que toda
essa gente impura e até tentaram instigar os discípulos de João
Batista a criar uma desavença (Lc 5:33). No entanto, Jesus explicou
por que estava andando com “publicanos e pecadores”: eram
espiritualmente enfermos e precisavam de um médico. O Senhor não
veio chamar os justos, pois não havia justos. Veio chamar pecadores,
e isso incluía os fariseus. Por certo, seus críticos não se
consideravam “enfermos espirituais”, mas isso não muda o fato de
que eram isso mesmo.
Mateus
não apenas abriu o seu coração e sua casa como também abriu suas
mãos e trabalhou para Cristo. Alexander White de Edimburgo disse,
certa vez, que, quando Mateus deixou seu emprego para seguir a
Cristo, levou consigo sua pena de escrever! Mal sabia ele, na época,
que um dia seria usado pelo Espírito para escrever o primeiro dos
quatro Evangelhos do Novo Testamento!
Diz a
tradição que Mateus ministrou na Palestina durante vários anos,
depois que Jesus voltou para o céu, e que fez viagens missionárias
para levar o evangelho aos judeus dispersos entre os gentios. Seu
trabalho é relacionado à Pérsia, Etiópia e Síria, e algumas
tradições incluem ainda a Grécia. O Novo Testamento não diz coisa
alguma sobre sua vida, mas podemos afirmar com certeza que, por onde
quer que as Escrituras passem neste mundo, o Evangelho escrito por
Mateus continua a ministrar ao coração de seus leitores.
Fonte: WIERSBE,
Warrem W. Comentário Bíblico Expositivo: Novo Testamento:
volume I. Santo André,SP: Geográfica Editora, 2006.
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