[A.W.Tozer]
Ninguém
pode negar que algumas pessoas acham a Bíblia difícil. Os
testemunhos quanto às dificuldades encontradas na leitura bíblica
são inúmeros e não podem ser desconsiderados levianamente.
Na
experiência humana existe geralmente um complexo de motivos e não
um só motivo para tudo; o mesmo acontece com as dificuldades que
encontramos na Bíblia. Não se pode dar uma resposta instantânea
para a pergunta: Por que a Bíblia é difícil de entender? Qualquer
resposta irrefletida tem toda probabilidade de estar errada. O
problema não é singular, mas plural, e por esta razão o esforço
de encontrar para ele uma solução única será frustrado.
Apesar
desse raciocínio, ouso dar uma resposta curta para a pergunta, e
embora esta não responda a tudo, contém boa parte da solução do
problema envolvido numa questão assim complexa. Acredito que achamos
a Bíblia difícil porque tentamos lê-la como leríamos qualquer
outro livro, mas ela não se assemelha a nenhum outro livro.
A
Bíblia não é dirigida a qualquer um. Sua mensagem tem como alvo
alguns escolhidos. Quer esses poucos sejam escolhidos por Deus num
ato soberano de eleição ou por corresponderem a determinadas
qualificações, deixo para cada um decidir como possa, sabendo
perfeitamente que sua decisão
será determinada pelas suas crenças básicas sobre assuntos tais
como predestinação, livre-arbítrio, os decretos eternos e outras
doutrinas relativas. Mas o que quer que tenha tido lugar na
eternidade, o que acontece no tempo fica evidente: alguns creem e
outros não; alguns são moralmente receptivos e outros não; alguns
têm capacidade espiritual e outros não. São para os primeiros que
a Bíblia foi escrita, os demais irão lê-la inutilmente.
Sei
que alguns leitores vão apresentar objeções vigorosas neste ponto,
e as razões para elas são fáceis de descobrir. O cristianismo
de hoje se concentra no homem e não em Deus. O Senhor precisa
aguardar com toda paciência e até mesmo respeito, sujeitando-se aos
caprichos humanos. A imagem de Deus aceita pelo povo é a de um Pai
aflito, esforçando-se em desespero amargurado para fazer com que as
pessoas aceitem um Salvador de que elas não sentem necessidade e em
quem têm pouco interesse. A fim de persuadir essas almas
auto-suficientes a responderem às suas ofertas generosas, Deus fará
quase tudo, usando até mesmo métodos de venda especiais e lhes
falando da maneira mais íntima possível. Este ponto de vista é,
naturalmente, um tipo de religião romantizada que consegue fazer do
homem a estrela do espetáculo, embora usando com freqüência termos
elogiosos e até mesmo embaraçosos em relação a Deus.
A
ideia de que a Bíblia e dirigida a todos criou confusão dentro e
fora da igreja. O esforço de aplicar os ensinamentos contidos no
Sermão do Monte às nações não-regeneradas do mundo é um exemplo
disto. Os tribunais e poderes militares da terra são instados a
seguirem os ensinos de Cristo, algo evidentemente inviável para
eles. Citar as palavras de Cristo como diretriz para policiais,
juízes e militares é interpretar absolutamente errado essas palavras
e revelar completa falta de compreensão dos propósitos da revelação
divina. O convite gracioso de Cristo é estendido aos filhos da graça
e não às nações gentias cujos símbolos são o leão, a águia, o
dragão e o urso.
Deus
não só dirige suas palavras de verdade aos que têm capacidade para
recebê-las, como também as oculta aos demais. O pregador faz uso de
histórias para esclarecer a verdade, nosso Senhor usou-as muitas
vezes para ocultá-la. As parábolas de Cristo foram o exato oposto
da moderna "ilustração" que serve para esclarecer; as
parábolas eram "ditos obscuros" e Cristo afirmou que fazia
uso delas algumas vezes a fim de que seus discípulos pudessem
compreender, mas não os inimigos. (Veja Mateus 13:10-17.) Assim
como a coluna de fogo iluminava Israel, mas servia para ocultá-los
aos olhos dos egípcios, as palavras do Senhor brilham no coração
do seu povo embora deixem o incrédulo presunçoso nas trevas da
noite moral.
O
poder salvador da Palavra fica reservado para aqueles a quem ele se
destina. O segredo do Senhor está com aqueles que O temem. O coração
impenitente não descobrirá na Bíblia senão um esqueleto de fatos
sem carne, vida, ou fôlego de vida. Shakespeare pode ser apreciado
sem necessidade de arrependimento; podemos entender Platão sem
acreditar numa palavra que ele diz; mas a penitência e a humildade
juntamente com a fé e a obediência são necessárias a fim de que
as Escrituras possam ser compreendidas corretamente.
Nos
assuntos naturais, a fé segue-se à evidência, sendo impossível
sem ela, mas no reino do espírito, ela precede o entendimento; e não
se segue a ele. O homem natural precisa saber a fim de acreditar; o
homem espiritual precisa crer para vir a conhecer. A fé que salva
não é uma conclusão extraída da evidência; mas uma coisa moral,
uma coisa do espírito, uma infusão sobrenatural de confiança em
Jesus Cristo, um perfeito dom de Deus.
A
fé salvadora se baseia na Pessoa de Cristo; ela leva imediatamente a
uma rendição do nosso ser total a Cristo, cujo ato é impossível
ao homem natural. Crer corretamente é um milagre comparável ao da
ressurreição de Lázaro sob a ordem de Cristo. A Bíblia é um
livro sobrenatural e só pode ser entendido com ajuda sobrenatural.
TOZER,
Aiden Wilson. O melhor de A.W.Tozer: textos inesquecíveis de
um grande pregador. Editora Mundo Cristão, 2007
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